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sábado, 12 de julho de 2014

Os Heróis e os Mártires desta Nação

Aldeia Krãnh na Terra Indígena Trincheira Bacajá, nas proximidades da Volta Grande do Xingu e de Belo Monte
Quando portugueses, espanhóis, holandeses, franceses e ingleses aportaram em terras da América na transição do século XV para o século XVI, o continente já era povoado por milhões de habitantes e centenas de etnias em diferentes estágios de evolução de suas sociedades. Ao norte da América, várias tribos se espalhavam por toda extensão territorial, desde o Atlântico até o Pacífico, vivendo em modo simples, explorando os recursos naturais necessários à sua sobrevivência e criando uma cultura rica e diversificada.

Na região central do continente americano, diversas civilizações milenares como os olmeca, teotihuacan, zapoteca, mixteca, huasteca, purepecha, tolteca e mexica anteciparam-se à construção dos impérios Maya e Azteca, igualando-se (ou mesmo superando) em brilho e magnificência o império egípcio. Suas construções monumentais em nada deviam às pirâmides, bem como sua ornamentação e seus cerimoniais fantásticos e sofisticados.

Nessa mesma época, no auge de sua civilização, a Europa vivia o período mais negro e sombrio de sua História, marcado pelas guerras violentas e cruéis, pela sucessão de monarcas ambiciosos e corruptos, e pela ação grotesca da Igreja, que constituiu um exército (as Cruzadas) sob o pretexto de resgatar a "Terra Santa", mas que cometeu as piores atrocidades contra seu próprio "rebanho", culminando com a "Santa Inquisição" que executou sumariamente todos os seus inimigos, queimados em fogueiras públicas, bastando, para isso, contestar a "Fé Cristã"! Ao sul da América, na região Andina, cresceu e floresceu a Civilização Inca, que se equiparava, em poder e riqueza, aos Mayas e Aztecas.

O conhecimento desses Povos Americanos suplantava, em muitos aspectos, a cultura do Velho Mundo, e seu povo dominava técnicas agrícolas que os europeus jamais suspeitaram existir. Em território oriental da América do Sul, centenas de etnias, falando dezenas de idiomas de quatro troncos linguísticos, coabitavam em relativa paz, explorando, com sabedoria e sucesso, as riquezas naturais da Floresta Amazônica, onde vivia a maior parte desses povos. Estima-se que toda América acolhia milhões de habitantes em diferentes estágios civilizatórios. Porém, com a invasão dos europeus, esses verdadeiros habitantes da América foram cruel e sistematicamente assassinados, ao longo de cinco séculos, processo que se prolonga até os dias atuais, vítimas do pior genocídio de todos os tempos. Apenas no Brasil, estima-se que mais de quatro milhões de indígenas tenham sido trucidados ou mortos por contaminação intencional de doenças, tais como a gripe, a varíola, o sarampo, a caxumba e a tuberculose. O ensino de História do Brasil nas escolas de nível fundamental mostra uma "realidade" que nada tem a ver com a verdadeira história de nossa Nação.

Os índios brasileiros foram vítimas das piores atrocidades praticadas por madeireiros, garimpeiros, tropas militares, grileiros, jagunços, posseiros e toda sorte de bandidos que "construíram" as propriedades rurais da atual aristocracia do Brasil. A Igreja Católica também foi responsável por crimes étnicos, na medida em que destruíram tradições e costumes sagrados desses povos, desconstruindo seu universo mítico e substituindo seus valores por outros que nada tinham a ver com a história desses povos. O "desbravamento" dos sertões foi uma avalanche de crueldades que não se consegue imaginar: aldeias queimadas, assassinatos (incluindo crianças, mulheres e idosos), saques, estupros, roubo de crianças para serem "educadas" pelos métodos da Igreja, escravidão e perseguições que os levaram a migrar incessantemente por todo território nacional, abandonando seus espaços onde edificaram suas culturas, onde enterraram seus mortos, onde reverenciavam seus espíritos e divindades, tudo deixado para trás, desesperadamente, para fugir de seus piores algozes.

Qualquer crime era justificado pela "necessidade" de expandir as fronteiras desse país. E a cada novo surto de "desenvolvimento" novas levas de migrantes invadiam os sertões, difundindo o pânico entre as populações indígenas, cada vez mais escassas e indefesas. O gado se espalhava pelas pradarias, enquanto os ciclos da cana de açúcar, da borracha, do cacau, do café, do garimpo do ouro e diamantes, favoreciam a migração de nordestinos e gaúchos para o interior do Brasil, país nascente que se construía pelo terror.

Além dessas atrocidades difíceis de se imaginar, os "brancos civilizados" "ensinaram" os indígenas a se embriagar com cachaça, destruindo sua auto-estima e comprometendo o respeito que tinham por suas lideranças. Foram assassinados aos milhares, os corpos deixados a apodrecer nos escombros das aldeias, os sobreviventes fugindo desesperadamente em direção à selva, na esperança de encontrar um refúgio que, aos poucos, deixava de existir.

Para "construir" essa Nação chamada "Brasil" foram necessárias milhões de vidas roubadas de seres, humanos como nós, que aqui viveram durante séculos sem destruir a floresta, sem se matarem apenas pelo prazer de ver a dor de suas vítimas, como fizeram os portugueses e espanhóis para montar suas colônias. A documentação dessa tragédia, que não consta dos livros de história, é farta e rica em detalhes. Porém, basta um livro, de Darcy Ribeiro, para comprovar esse morticínio: "Os Índios e a Civilização", que, ironicamente, tem por subtítulo "A integração das populações indígenas no Brasil moderno"!

Se nos cadernos de anotação e nos livros de História do Brasil dos estudantes constam nomes como "Duque de Caxias", "Almirante Barroso", "Fernão Dias", "Borba Gato", "Raposo Tavares" e outros, que são reverenciados como "heróis" por terem "desbravado" os sertões ou por terem combatido as rebeliões de escravos e índios, onde estarão os nomes de suas vítimas, Indígenas e Negros trazidos da África? Não existem heróis entre os povos massacrados por essa "civilização" européia! "A História das Civilizações é a História dos Vencedores", já diziam os historiadores...

Mas se disserem, ainda, que todas as nações foram "edificadas" sobre os esqueletos dos povos dominados, aqueles que perderam a guerra e que ficaram também perdidos na memória dos homens, é porque não conhecem a história de nosso país. Aqui, a crueldade extrapolou todos os limites!

E hoje, como vivem nossos indígenas? Pois eles continuam sendo massacrados, desprezados, humilhados, torturados, assassinados. Nos dias atuais, dezenas de terras indígenas, legalmente demarcadas de acordo com a Constituição Federal, continuam sendo ocupadas e exploradas por madeireiras, garimpeiros, grileiros e todo tipo de escória humana que nosso povo insiste em "preservar" em nome da democracia e do poder.

Ainda hoje, políticos corruptos e ladrões tratam os indígenas como "animais sem alma", esquecendo-se que toda população brasileira e não indígena ocupa terras roubadas desses povos tradicionais. No sul do país, principalmente, onde as "missões jesuítas" criaram os "aldeamentos" para "cristianizar" os indígenas e para destruir suas culturas seculares, políticos sujos clamam pela extinção das terras indígenas e culpam a FUNAI por não permitir que acabem com o pouco que resta a esses povos tradicionais.

Quem, afinal, senão os indígenas e os quilombolas, seriam os Heróis e Mártires dessa Nação Brasileira, construída sobre o sangue derramado por esses povos? Quem negará que, em seu próprio sangue estão indelevelmente marcados os traços das etnias indígenas e negras, que seus antepassados geraram filhos do estupro dessas mulheres negras e indígenas? Quem negará, enfim, que só existe uma Nação Brasileira porque milhões de seres humanos foram as vítimas desses dominadores que continuam entre nós, mentindo, matando, estuprando, contaminando, viciando, humilhando, explorando?

Nossos Heróis, nossos Mártires não são os "soldados da pátria", mas apenas e tão somente negros e indígenas, que continuam sendo desprezados e ignorados por nós, e tratados como marginais de uma sociedade arrogante e sem dignidade!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

FUNAI NÃO ABAIXA A CABEÇA PARA RURALISTAS!!!



ASDRÚBAL BENTES, DO PARÁ, CONHECIDO PELOS CRIMES AMBIENTAIS QUE COMETE COMO RURALISTA...

Parabéns, Carlos! Falou muito bem!!!! Esses ruralistas é que têm que abaixar a cabeça para quem é digno e protege as populações minoritárias, e secularmente exploradas e escravizadas pelo poder corrupto e imoral de elites econômicas, que se enriqueceram às custas da exploração desumana de negros e indígenas, ao longo dos 500 anos de nossa história!

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Antropólogos brasileiros divulgam manifesto sobre demarcação de terras indígenas

Fonte: Brasil de Fato - 04/06/2013

De que tratam e para quem servem os tais caminhos unilaterais de "progresso” e "desenvolvimento” de uma nação, se eles não são acompanhados, passo a passo, por seu desenvolvimento humano e do respeito à sua Constituição?

De maneira flagrantemente parcial, a mídia brasileira tem criminalizado a regularização fundiária de terras habitadas por populações indígenas no país. Para resumir os alarmantes argumentos, a ideia mais comum veiculada é a de que esses processos são artifícios fraudulentos, que transformariam "terras produtivas” e de "gente que trabalha”, em "reservas indígenas”. Para bom entendedor, meia palavra basta, como é de domínio popular.

O que se anuncia é que terras "produtivas” serão tornadas "improdutivas” e, paralelamente a isso, "gente que trabalha” será como que "substituída” por "gente que não trabalha”, isto é, "índios” – como se os índios não trabalhassem ou produzissem. Esta metamorfose perversa é atribuída, em muitos casos, a um suposto concerto criminoso de forças nacionais e internacionais que atuariam em proveito próprio, tendo pouca ou nenhuma relação com os legítimos ocupantes das terras.

Não é de hoje que este tipo de conjunção suspeita de ideias aparece na opinião pública ou mesmo em documentos e outras manifestações formais relacionados a trâmites legais ou matérias igualmente cruciais à existência das populações indígenas. Estas mesmas ideias vêm se repetindo cronicamente no tempo até os nossos dias, ao longo das muitas ondas desenvolvimentistas de colonização que marcam a história do nosso país desde os tempos da coroa portuguesa.

E sim. É sempre preciso trazer à luz o fato de que este arcabouço ideológico cauciona, insidiosamente, ações e disposições tanto do Estado brasileiro quanto de agentes privados na direção do extermínio, submissão e esbulho daqueles povos.

Lamentavelmente, estamos muito longe de poder acalentar a esperança de lançar este fatídico ideário, repleto de trágicos fatos que clamam por erradicação, às trevas da memória nacional. Em tempos de rápida repercussão dos discursos através de mídias eletrônicas, há mesmo a impressão de que este ideário estaria se multiplicando em incontáveis desdobramentos e manifestações. De conversas informais em redes sociais a artigos de jornais, é em documentos como Relatórios de Impacto Ambiental de grandes empreendimentos econômicos ou em célebres contestações jurídicas aos processos de regularização fundiária que ele aparece de forma mais perniciosa. Trata-se, no entanto, bem mais de uma imensa cortina de fumaça comunicacional providencialmente interposta entre a população e seus os direitos mais fundamentais, distorcendo e obscurecendo o funcionamento dos principais instrumentos constitucionais de resguardo desses direitos.

Como agravante central desta coleção de equívocos e distorções, está a gravíssima acusação ética de que os antropólogos estariam supostamente fraudando o estudo antropológico de identificação e delimitação, conforme ele é juridicamente definido e regulamentado. É legítimo que o leitor se pergunte sobre o que é exatamente isso. Não há qualquer registro na imprensa que, afinal, lance verdadeira luz sobre o que é e como se faz, enfim, a regularização de uma Terra Indígena no Brasil. O que é, por que e como acontece, quem realmente faz, tudo isso permanece nas trevas e ignorado pelo grande público ou mesmo por especialistas de outras áreas. Tudo converge em uma situação que tem como resultado o total desconhecimento deste instrumento técnico-jurídico e sua função primordial neste tipo de regularização, representando um terreno fértil para as especulações mais estapafúrdias.

Respostas adequadas a tais perguntas permanecem ausentes de manchetes rápidas, notícias ou editoriais dedicados a tratar – e quase sempre deslegitimar – o assunto. No entanto, estas respostas estariam bem mais próximas a todos se a Constituição Federal, como expressão e instrumento primordial de democracia e cidadania, não viesse sendo completamente ignorada, senão sistematicamente desfigurada, por meios de comunicação e outras frentes que atingem o grande público. Se alguns o fazem quase involuntariamente, por mero desinteresse ou desinformação, há os que o fazem deliberadamente, interessados que estão em dar continuidade aos crimes efetivos raramente apurados, à exploração e à desigualdade, contra os quais a carta magna se propõe a ser valioso instrumento de representação coletiva.

Constituição Federal: A demarcação de toda e qualquer terra indígena, como também todas as suas fases e ações, é devidamente fundamentada e regida pela Constituição Federal, pela Lei nº. 6001 de 1973, o chamado "Estatuto do Índio”, e pelo Decreto 1775 de 1996. Ela é um longo e sério processo que envolve etapas diferenciadas, uma equipe multidisciplinar de profissionais e instâncias diversas. Os antropólogos são aqueles legalmente responsáveis por compilar e analisar os detalhados estudos de um grupo interdisciplinar e que inclui também funcionários de órgãos federais, estaduais e até municipais.

O grande equívoco: A gente lê ou ouve com frequência que os antropólogos são contratados para dizer se uma terra é indígena ou não é, ou mesmo se um grupo de pessoas é ou não indígena. Isto demonstra que, mais uma vez, há muitas "trevas” e completo desconhecimento não apenas sobre a natureza desse estudo como do processo de regularização fundiária como um todo. É importante esclarecer que o trabalho do antropólogo na demarcação de uma terra indígena não é, de forma alguma, pericial ou resultará em um laudo, como normalmente se tem veiculado e mesmo como constam de alguns processos jurídicos. Há uma obscurecedora e talvez proposital confusão nos discursos veiculados pelos meios de comunicação entre os conceitos de laudo e de relatório de identificação e delimitação.

Fala-se muito sobre a necessidade jurídico-legal do Estado em definir e fixar sujeitos de direito e a incompatibilidade disto com o atributo dinâmico, fugidio, mas também prioritariamente endógeno da identidade étnica. Entretanto, é importante notar que, mesmo deste ponto de vista, as próprias disposições constitucionais são por si mesmas profundamente antropológicas, no sentido em que estabelecem que ninguém, além do próprio grupo, é capaz de responder a estas questões postas pelo Estado. E ele o faz dentro determinado espaço, indissociável à singularidade de sua existência enquanto grupo, como dita a Constituição Federal, em seu artigo 231, caput e Parágrafo 1º, nos termos de um território cultural, conforme já foi definido pela procuradora Deborah Duprat. A medida diferencial da territorialidade e identidade de um grupo indígena está, portanto, embutida no próprio texto constitucional.

Mas os processos de regularização fundiária não tratam fundamentalmente disso, ao contrário do que se poderia supor a partir das informações acessíveis ao público. Absolutamente. Quando estes processos acontecem, isto é expressão direta dos direitos daquele povo sobre o espaço que ocupa ou, em muitos casos, do espaço do qual ele foi sistematicamente impedido de ocupar de forma plena, tendo sido na maior parte das vezes pilhado e usurpado. Quando se chega a este estado avançado de reivindicação formal daquilo que de direito já o pertence, o processo de regularização fundiária é formalmente inaugurado através de uma portaria da Fundação Nacional do Índio, publicada no Diário Oficial da União. Neste sentido, e nos termos do Artigo 1° do Decreto 1775 de 1996, o órgão administrativamente responsável pela formalização da iniciativa e orientação da regularização, rigorosamente submetidas aos termos constitucionais, é a FUNAI. O órgão, mais do que responsável pela assistência ao índio é, neste caso, um representante do Estado brasileiro e de suas diretrizes fundamentais, zelando pela adequada aplicação da Constituição, em todas as etapas da regularização.

Da Portaria publicada, e conforme as disposições constitucionais, constam a natureza do estudo, o nome e a instituição de cada componente do grupo interdisciplinar, o município, a etnia e as Terras Indígenas que serão estudadas em tal ou qual período.

Este grupo produzirá diferentes estudos integrados e coordenados por um antropólogo, a partir daquela publicação, denominado de antropólogo-coordenador, conforme também determina a Constituição Federal. É facultativa a presença de outros antropólogos, que serão caracterizados como "colaboradores”, de modo que não há qualquer exigência constitucional neste sentido, embora seja prática complementar da FUNAI em muitos casos.

Deste estudo resultará, conforme as prerrogativas constitucionais, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de uma determinada Terra Indígena. Este é um trabalho extenso e complexo (i.e., circunstanciado), elaborado pelo antropólogo-coordenador a partir dos subsídios produzidos pelo Grupo Técnico em conjunto e com a participação do grupo indígena em questão, conforme as prerrogativas constitucionais. Também são fundamentais os estudos de campo realizados por ele, como aqueles de gabinete, o que inclui uma conscienciosa revisão crítica de fontes históricas e documentais, tanto quanto de informações antropológicas apuradas diretamente ou em trabalhos disponíveis sobre o grupo em questão. Uma vez tecnicamente aprovado, o Relatório terá seu resumo publicado no Diário Oficial da União e também dos estados envolvidos. Conforme as disposições legais no Decreto 1775/96, as partes que por ventura se vejam afetadas poderão apresentar sua contestação ao órgão indigenista. O documento original será também colocado à disposição daqueles que pretenderem contestá-lo.

Considerando que o ocupante que possua títulos ou qualquer outra forma de comprovação documental de sua ocupação poderá, prontamente, apresentá-los ao órgão federal, lhes são disponibilizados para fazê-lo, desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação do citado resumo no Diário Oficial da União. Isto, em teoria, comprovará que tais ocupações foram feitas de boa-fé. E, uma vez constatada a boa-fé das ocupações, as determinações constitucionais serão aplicadas, tais quais a indenização por suas benfeitorias e, para os pequenos agricultores, a prioridade no reassentamento em outros locais, se este for seu desejo.

À Luz da Constituição: Nada há de criminoso ou secreto neste processo. Ele transcorre no mesmo espaço de circunspecção e cautela requerido por trâmites científicos, ainda mais quando se lida com matérias delicadas, como fraudes com vistas a expropriações territoriais, semiescravidão, esbulho de recursos e gentes. Em muitos casos, a rigorosa pesquisa documental demonstra o vício de grande parte de títulos definitivos incidentes sobre Terras Indígenas, quando analisados em sua genealogia primária. Mas isto é não mais do que um agravante, porque a orientação primeira de todo trabalho de delimitação é a correta aplicação da Constituição Federal e, como dissemos, dos direitos imprescritíveis dos índios às terras que diferencialmente ocupam, segundo a compreensão do texto constitucional. Ou seja, tratam-se não apenas de "lotes” de terra, mas de espaços complexos, compostos por atributos materiais e imateriais; compreendendo as terras habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, de acordo com o Parágrafo 1° do Artigo 231 da Constituição Federal.

Sobretudo, um Relatório Circunstanciado demonstra, através de documentos e estudos científicos, os nexos fundamentais entre um povo indígena e a terra que ocupa, entre suas estratégias tradicionais de subsistência e, mais que isso, de "existência”, e o ambiente que o circunda, entre sua história e a concepção de espaço que adota. Um espaço que é, neste sentido, insubstituível por outro qualquer, ainda que, por ventura, de igual metragem. Tal é a ordem singular entre um povo indígena e seu "território”, conforme a definição constitucional.

Não há fraude ou invenção nesse processo sério e detalhadamente disciplinado pela Constituição Federal. E tampouco haveria espaço para isso, se consideramos a multiplicidade de profissionais das mais variadas áreas e instituições envolvidas. Trata-se, portanto, de um instrumento valoroso de cidadania, expressão jurídica de direitos e conquistas sociais que tanto tardaram a acontecer no nosso país. Um país que, lembramos, é também de "índios”, conforme sua natureza pluriétnica, devidamente reconhecida pela Constituição cidadã de 1988.

Vulnerabilidade: as populações indígenas representam 0,4 % da população do país, segundo os dados apurados pelo IBGE, em 2010. Cerca de 60% da população indígena está localizada dentro dos domínios da Amazônia Legal. Estas populações apresentam uma rica multiplicidade étnico-linguística e cultural, consistindo em cerca de 220 povos, falantes de cerca de 180 línguas diferentes. São línguas, cosmologias e modos de vida, compondo diferencialmente um patrimônio humano milenar de imensa complexidade e riqueza, normalmente desconhecido do público em geral.

Lamentavelmente, o conjunto formado por esta rica diversidade humana constitui o segmento mais vulnerável da população brasileira. Os grupos indígenas sustentam índices de desigualdade de desfavorável magnitude quando comparados aos segmentos mais desfavorecidos da população. Neste âmbito, são surpreendentes os altos índices nacionais de mortalidade de crianças indígenas, especialmente se consideramos que esta situação se mantém em regiões como a Sudeste e Sul do país, paradoxalmente, aquelas que formalmente apresentam o maior índice de desenvolvimento socioeconômico. É na garantia de um território para seu usufruto exclusivo, livre de práticas contumazes de expropriação e aliciamento, que está uma das chaves mais importantes para uma possível reversão dessa situação.

Da Perversa Metamorfose: não é possível, por força retórica de uma lógica entortada, querer transformar esbulho, turbação e, sobretudo, expropriação pregressa ou atual em uma espécie de tradicionalidade aplicada às avessas em relação ao uso que lhe empresta a Constituição, como o pretendem os seculares métodos de grilagem vigentes nesse país, com ou sem conivência de agentes governamentais. E eis que neste ponto se desvenda a verdadeira metamorfose perversa que assola as "terras produtivas” da "gente que trabalha”, ponto de partida de nossas reflexões: os interesses privados de um pequeno grupo de latifundiários rurais e supostos benefícios econômicos, que não revertem diretamente ao bem-estar da população brasileira, ganham, sub-repticiamente, ares de permanência, imprescindibilidade e imemorialidade. E este é tratado como o único caminho possível e indiscutível para a nação.

A Constituição Federal garantiu aos habitantes originários desta terra, tardiamente chamada Brasil, seus direitos também originários. Isto por razões de ordem histórica e antropológica, mas também em nome do devido resguardo da cidadania de todos os seus habitantes. O reparo de um genocídio continuado e reconhecido, como também a garantia de uma nação plural. Por isso não há o menor cabimento na suposta ideia de que o Estado não deve mais demarcar as terras indígenas, calcada de forma totalmente arbitrária e ditatorial sobre se ter chegado ao "fim” desse processo pura e simplesmente, sem que seus erros (inumeráveis) do passado tenham de ser corrigidos.

É importante também trazer à luz para o público em geral, que não há necessidade de demarcação formal para que o direito originário dos povos indígenas sobre seu território seja efetivamente respeitado, conforme as disposições do Art. 25 da lei 6.001 de 1973, conhecida como o "Estatuto do Índio”. As atribuições de um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação são, justamente,reconhecer e delimitar, e não propriamente estabelecer os direitos às suas terras. Estas são, nas palavras da lei, inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis, conforme o Parágrafo 4° do Art. 231 da atual Constituição Federal. Ou seja, não podem ser transferidas para outrem, usufruídas por ninguém além do próprio grupo e nem passíveis de serem extintas, por qualquer decisão, Decreto ou Portaria. Por esta mesma razão, qualquer ocupação ou empreendimento que tenha lugar nestes mesmos espaços é, por determinação constitucional, nulo e extinto, de pleno direito, conforme os parágrafos 4° e 6°, do artigo 231 da nossa atual Constituição. O mesmo se aplica a atos de exploração de recursos de solo, rios e lagos, que têm efeito jurídico nulo e sobre os quais os índios têm direito de usufruto exclusivo.

Portanto, nem "índios” e nem uma "terra” ou um "espaço” indígenas, são inaugurados a partir de um processo formal de regularização. Ao contrário, sua existência antecede a este processo, que dela decorre. Quando, finalmente, uma Portaria no Diário Oficial da União determina a constituição de um Grupo Técnico que produzirá um determinado Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação e que trata de aspectos múltiplos e interdisciplinares da relação entre um povo e o que ele entende como seu espaço, isto acontece porque a demanda de regularização é já, de fato e direito, legítima.

Neste sentido, os processos de regularização fundiária indígena têm sofrido uma desfiguração muito semelhante àquela que vem reconhecidamente acontecendo aos processos de licenciamento ambiental no país. Assim, ações e decisões de políticas públicas que primam pela cidadania e reconhecimento de direitos sociais duramente conquistados ao longo do tempo, aqueles que vigem sobre a "vida” e sobre as "pessoas”, vão sendo, ao mesmo tempo, soterrados por uma ideia empresarial da nação, que toma o desenvolvimento econômico de forma unilateral e completamente apartada do desenvolvimento humano. Abafando a existência ou a razão daquelas "vozes” de direito, são normalmente evocados ganhos e perdas econômicos, de "produtividade” e outros indicadores que, como sabemos, podem estar em completo desacordo com a realidade da vida das pessoas nas cidades e no campo.

E, no entanto, a prática nos tem mostrado que, mesmo quando reconhecidos os incontestáveis efeitos negativos de determinados empreendimentos, como por exemplo, os hidrelétricos, eles têm sido, sempre, executados. Diante de outras possíveis matrizes energéticas (ou de reaproveitamentos de sistemas preexistentes), e mesmo não cumpridas suas condições jurídicas de estabelecimento e funcionamento, como a consulta pública às populações atingidas, previstas tanto na legislação vigente quanto em pactos internacionais assinados pelo Estado brasileiro, a ênfase recai sobre as vantagens formalmente econômicas de tal ou qual projeto, antes do que sobre seu impacto, muitas vezes devastador, na vida das pessoas.

Trevas ou Luzes? Nada, nem mesmo a ideologia empresarial, pode ser sobreposta à Constituição Federal do país ou justificar sua brutal violação. Seu fim primordial é garantir fundamentalmente o bem-estar de sua população como um todo, o que inclui todos os segmentos diferenciados do país e as gerações vindouras. Mais do que notícias alarmantes e discursos que visam o bem privado, cobramos todos os setores envolvidos, incluindo os meios de comunicação brasileiros, que tornem acessíveis à população, antes de mais nada, as luzes da Constituição Federal do nosso país.

De que tratam e para quem servem os tais caminhos unilaterais de "progresso” e "desenvolvimento” de uma nação, se eles não são acompanhados, passo a passo, por seu desenvolvimento humano e do respeito à sua Constituição?

Neste reduto, o que há são apenas trevas.

Assinam:

Adriana Romano Athila, antropóloga, Santa CatarinaAdriana Strappazzon, antropóloga, Santa Catarina
Ana Beatriz de Miranda Vasconcelos e Almeida, enfermeira, Mato Grosso
Ana Claudia Cruz da Silva, antropóloga, Rio de Janeiro
Ana Maria R. Gomes, antropóloga, Minas Gerais
Ana Maria Ramalho Ortigão Farias, médica, Rio de Janeiro
Ana Paula Lima Rodgers, antropóloga, Rio de Janeiro
André Demarchi, antropólogo, Tocantins
Andreia Fanzeres, jornalista, Mato Grosso
Angela Sacchi, antropóloga, Distrito Federal
Antonio Carlos Mendonça Viana, estudante de antropologia, Rio de Janeiro
Antonio Carlos de Souza Lima, antropólogo, Rio de Janeiro
Antonio Hilario Aguilera Urquiza, antropólogo, Mato Grosso do Sul
Bárbara Maisonnave Arisi, antropóloga, Paraná
Bárbara Villa Verde Revelles Pereira, jornalista, Paraná
Beatriz Carretta Corrêa da Silva, linguista, Distrito Federal
Betty Mindlin, antropóloga, São Paulo
Bruno Emílio Fadel Daschieri, antropólogo, Rio de Janeiro
Bruno Simionato Castro, engenheiro florestal, Mato Grosso
Cândido Eugênio Domingues de Souza, Historiador, Bahia
Carlos Eduardo Rebello de Mendonça, sociólogo, Rio de Janeiro
Carmen Junqueira, antropóloga, São Paulo
Carmen Rial, antropóloga, Santa Catarina
Carolina Souza Pedreira, antropóloga, Distrito Federal
Cassio Brancaleone, sociólogo, Rio Grande do Sul
Cecilia Malvezzi, médica, São Paulo.
Celia Leticia Gouvêa Collet, antropóloga, Acre
Cinthia Creatini da Rocha, antropóloga, Santa Catarina
Clarissa Rocha de Melo, antropóloga, Santa Catarina
Daniel Bitter, antropólogo, Rio de Janeiro
Daniel Garibotti, produtor de documentários, Espanha
Daniel de Oliveira Santos, farmacêutico, Mato Grosso
David Rodgers, antropólogo, Rio de Janeiro
Denise Cavalcante Gomes, arqueóloga, Rio de Janeiro
Diego Giuseppe Pelizzari, indigenista, Paraná
Diego Madi Dias, antropólogo, Rio de Janeiro
Diogo de Oliveira, antropólogo, Santa Catarina
Edison Rodrigues de Souza, antropólogo, Bahia
Edviges Ioris, antropóloga, Santa Catarina
Eduardo Pires Rosse, antropólogo, França
Eliana de Barros Monteiro, antropóloga, Pernambuco
Eliana E. Diehl, Farmacêutica (Saúde Indígena), Santa Catarina
Emanuel Oliveira Braga, antropólogo, Paraíba
Emilia Juliana Ferreira, antropóloga, Distrito Federal
Esther Jean Langdon, antropóloga, Santa Catarina
Eunice Dias de Paula, pedagoga e linguista, Mato Grosso
Fabiane Vinente dos Santos, antropóloga, Amazonas
Fábio Christian de Carvalho, administrador, Mato Grosso
Fanny Longa Romero, antropóloga, Rio Grande do Sul
Felipe Agostini Cerqueira, antropólogo, Rio de Janeiro
Felipe Bruno Martins Fernandes, antropólogo, Santa Catarina
Fernanda Ratto, psicóloga, Rio de Janeiro
Flávio Wiik, antropólogo, Paraná
Flora Monteiro Lucas, antropóloga, Rio de Janeiro
Georgia da Silva, antropóloga, Distrito Federal
Gilberto Azanha, antropólogo, Distrito Federal
Giovana Acácia Tempesta, antropóloga, Distrito Federal
Hein van der Voort, Linguista, Pará
Helena Tenderini, antropóloga, Pernambuco
Hélio Barbin Junior, médico e antropólogo, Santa Catarina
Heloisa Barbati, estudante de Antropologia, Itália
Henry Luydy Abraham Fernandes, antropólogo, Bahia.
Henyo Trindade Barretto Filho, antropólogo, Distrito Federal
Jacira Bulhões, antropóloga, Mato Grosso.
Jackson Fernando Rêgo Matos, Engenheiro Florestal, Pará
Jeremy Paul Jean Loup Deturche, antropólogo, Santa Catarina
João Batista de Almeida Costa, antropólogo, Minas Gerais
José Andrade, antropólogo, Pará
João Daniel Dorneles Ramos, sociólogo, Rio Grande do Sul
José Ronaldo Mendonça Fassheber, antropólogo, Paraná
Juracilda Veiga, antropóloga, São Paulo
Jurema Machado de Andrade Souza, antropóloga, Bahia
Juliana de Almeida, antropóloga, Amazonas
Katia Maria Ratto, médica, Rio de Janeiro
Larissa Menendez, antropóloga, Mato Grosso
Laura Graziela F. F. Gomes, antropóloga, Rio de Janeiro
Lea Tomass, antropóloga, Distrito Federal
Léia de Jesus Silva, linguista, Goiás
Leonardo Pires Rosse, etnomusicólogo, Minas Gerais
Leonardo Santos Leitão, sociólogo, Santa Catarina
Lisiane Koller Lecznieski, antropóloga, Santa Catarina
Lucia Helena Rangel, antropóloga, São Paulo
Lucia Hussak van Velthem, antropóloga, Distrito Federal
Luciana Gonçalves de Carvalho, antropóloga, Pará
Lucila de Jesus Mello Gonçalves, psicanalista, São Paulo
Maria Audirene Cordeiro, linguista, Amazonas
Maria Christina Barra, antropóloga, Minas Gerais
Mariana Corrêa dos Santos, cientista social, Rio de Janeiro
Mariana Cristina Galante Nogueira, servidora pública federal, São Paulo
Maria Dorothea Post Darella, antropóloga, Santa Catarina
Maria Lúcia Haygert, antropóloga, Santa Catarina
Maria Rosário Carvalho, antropóloga, Bahia
Marina Monteiro, antropóloga, Santa Catarina
Marina Pereira Novo, antropóloga, São Paulo
Márcia Leila de Castro Pereira, antropóloga, Distrito Federal
Marcos Alexandre dos Santos Albuquerque, antropólogo, Rio de Janeiro
Marcos de Almeida Matos, antropólogo, Acre
Marcus Vinícius Carvalho Garcia, antropólogo, Distrito Federal
Maria Fernanda Salvadori Pereira, antropóloga, Santa Catarina
Marlene Lúcia Siebert Sapelli, Educadora, Paraná.
Marta Caravantes, jornalista, Espanha
Martinho Tota Filho Rocha de Araújo, antropólogo, Rio de Janeiro
Matteo Raschietti, filósofo, São Paulo
Maurício Soares Leite, nutricionista (saúde indígena), Santa Catarina
Mauro Silveira de Castro, farmacêutico, Rio Grande do Sul
Miguel Aparicio, antropólogo, Amazonas
Mirella Alves de Brito, antropóloga, Santa Catarina
Nádia Heusi Silveira, antropóloga, Santa Catarina
Odair Giraldin, antropólogo, Tocantins
Paulo Humberto Porto Borges, Educador, Paraná
Peter M.I.B. Beysen, antropólogo, Rio de Janeiro.
Philippe Hanna, antropólogo, Holanda
Raquel Mombelli, antropóloga, Santa Catarina
Renan Reis de Souza, antropólogo, Rio de Janeiro
Ricardo Ventura Santos, antropólogo, Rio de Janeiro
Rinaldo Sérgio Vieira Arruda, antropólogo, São Paulo
Robson Rodrigues, arqueólogo, São Paulo
Rodrigo Marcelino, biólogo, Mato Grosso
Rodrigo Toniol, antropólogo, Rio Grande do Sul
Roberto Salviani, antropólogo, Rio de Janeiro
Robin M. Wright, antropólogo, São Paulo.
Rosângela Pereira de Tugny, etnomusicóloga, Minas Gerais
Senilde Alcantara Guanaes, antropóloga, Paraná
Sergio Baptista da Silva, antropólogo, Rio Grande do Sul
Silvana Jesus do Nascimento, antropóloga, Mato Grosso do Sul
Silvana Sobreira de Matos Patriota, antropóloga, Pernambuco
Sônia Weidner Maluf, antropóloga, Santa Catarina
Soren Hvalkof, antropólogo, Dinamarca
Suzana Castanheiro Uliano, antropóloga, Santa Catarina
Tatiana Dassi, antropóloga, Santa Catarina
Thiago Mota Cardoso, antropólogo, Santa Catarina
Tiago Moreira dos Santos, antropólogo, São Paulo
Waleska Aureliano, antropóloga, Rio de Janeiro
Wellington de Jesus Bomfim, antropólogo, Sergipe
Vanessa Alvarenga Caldeira, antropóloga, São Paulo
Vaneska Taciana Vitti, antropóloga, São Paulo
Victor Amaral Costa, antropólogo, São Paulo
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos/ São Paulo
Comitê Metropolitano Xingu Vivo

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Dia do Índio (?)

O Brasil é o país da Biodiversidade. Possui as maiores florestas da Terra, os maiores rios do mundo, a maior variedade de espécies animais e vegetais. Mas não é disso que pretendo falar hoje, dia que deveria ser reverenciado por todos, principalmente por aqueles que são os responsáveis pelo destino de nossa gente e, no entanto, só cuidam de seus interesses mesquinhos e de seus apaniguados.

Temos, certamente, a maior diversidade de etnias do nosso planeta, mesmo depois de séculos de exploração e genocídio! E nem falo dos brancos: falo de nossos indígenas, assim chamados apenas pela dificuldade de mencionar as centenas de Nações que habitam nosso país há séculos, muito antes da chegada dos invasores europeus, que aqui vieram apenas para saquear suas culturas tradicionais.

Hoje deveria ser comemorado o DIA DO ÍNDIO. No entanto, nossa mandatária maior, Dilma Rousseff, saiu da capital do país para participar da posse de Nicolás Maduro na presidência da Venezuela. Não se vêem manifestações de alegria, festas, comemorações, seja na Capital Federal, seja nas demais capitais do país, seja até mesmo nas aldeias indígenas espalhadas por todo nosso território, que já foi somente deles, quando ainda podiam ser contados aos milhões...

Enquanto esses povos deveriam estar festejando seu dia, os políticos corruptos do Congresso Nacional tramam pelo seu futuro e pela sua vida, retirando da FUNAI, Fundação Nacional do Índio, o direito histórico de demarcar suas terras. No entanto, nem mesmo a FUNAI se manifesta, seja contra mais essa atrocidade dos latifundiários ruralistas, ansiosos por colocar suas patas nos territórios indígenas, para também convertê-los em PASTO  e enormes plantações de SOJA, seja para reverenciar as civilizações originárias da "terra brasilis", pelas quais é responsável.

O que essa gente humilde teria a comemorar, se a nação que a abriga tem tamanho desprezo pelas suas tradições e conhecimentos milenares? Até mesmo o povo que descendeu da miscigenação de brancos, negros e índios despreza esses povos! O preconceito é tamanho que costumamos ouvir que "é terra demais para tão pouco índio"! E, no entanto, eles são tão poucos graças aos portugueses que os assassinaram aos milhares ao adentrar o Novo Continente, aos latifundiários e madeireiros que invadem seus territórios para queimar a floresta, roubar suas árvores centenárias, assassinar lideranças e CRIANÇAS indígenas para tomar posse de seus territórios!

É muito triste ter que escrever isso, mas as maldades não param por aí... os "missionários" religiosos (salesianos, claretianos, jesuítas, evangélicos, pentecostais, mórmons, ...) fazem uma "limpeza étnica" desde o início do século XVI, com a chegada dos portugueses, e continuam até hoje, levando "doenças dos brancos" e invadindo suas aldeias com uma crença que nada tem a ver com a história desses povos indígenas. E não foi apenas a substituição de suas crenças, por si só um crime inominável contra essas populações, mas também a destruição de suas línguas nativas, a descaracterização de seus costumes, o aldeamento de suas crianças, a introdução da ideia medieval do "pecado capital" da nudez, das habitações coletivas e da ingenuidade pura de suas relações sociais!

Comemorar o que?

Creio que, apesar de tudo, ainda resta uma esperança, pois esses bravos guerreiros ainda não abdicaram de sua identidade como nações independentes, e enfrentaram os porcos do Congresso, exigindo que essas pseudo-lideranças políticas se envergonhassem de seus próprios atos e práticas abomináveis e os recebessem, ainda que a contragosto, naquela que deveria ser a ARENA de debates mais digno de nossa Nação! Pois que esses povos encontrem a força e a determinação para exorcizar esses demônios das mais diferentes seitas evangélicas e cristãs, e resistam até o último guerreiro a entregar suas terras e seu povo aos corruptos políticos do Brasil. Se nós, cidadãos invasores e maiores responsáveis por essas excrescências de nosso sistema de poder, não temos vergonha na cara para expulsá-los, que sejam, então, os indígenas, irmãos de nossa gente, que o façam!

SALVE O DIA DO ÍNDIO!
SALVEM AS NAÇÕES INDÍGENAS DO BRASIL! 

quarta-feira, 14 de março de 2012

Preconceito Racial e Riqueza Étnica

É surpreendente a ignorância de nosso povo com relação a suas origens históricas e sua formação étnica! Observamos isso através das reações a eventos de natureza social, como ações em defesa de povos indígenas e quilombolas, vistas sempre como ameaças à ordem social e à estabilidade das instituições democráticas. O mais surpreendente é que mesmo na capital federal, onde a mistura racial é extrema, tendo suas origens em povos vindos de todas as regiões do país, o brasiliense é aristocrático e preconceituoso, como se fosse um descendente ariano de estirpe nobre.

Falo das questões indígenas no Distrito Federal, mais precisamente à questão do povo Fulniô-Tapuya, que reivindica a preservação de seu local sagrado, o Santuário dos Pajés, ameaçado de destruição pelas obras milionárias do empreendimento imobiliário conhecido como "Setor Noroeste", e que, paradoxalmente, pretende ser um "Bairro Ecológico"!

Hoje pela manhã conversei com o Pajé Santxiê Tapuya, aqui na sede da FUNAI, e ele me relatou a arrogância da juíza que trata do processo e deu ganho de causa aos empreiteiros, depois de uma pergunta que demonstra toda sua ignorância com relação aos povos indígenas, seus valores, tradições e costumes: “Porque esses índios não podem realizar esses rituais em outro lugar?”, pergunta a juíza. É incrível imaginar que tamanha desfaçatez partiu de uma juíza de direito!

Embora esse caso tenha ocorrido em 2011, trago-o de volta ao debate pela simples razão de permanecer inconcluso e polêmico. Como agente em indigenismo, e tendo trabalhado durante um ano na Amazônia, tornou-se comum para mim ouvir de brasileiros expressões que evidenciam seu desprezo pelos povos indígenas, até mesmo em São Gabriel da Cachoeira, cidade onde 90% da população é indígena e o restante são descendentes dos primeiros migrantes que lá chegaram para construir a Perimetral Norte!

Comprometido integralmente com a causa indígena e consciente de meu papel como servidor público federal, sinto-me no dever de expor conceitos que necessariamente deveriam ser ensinados nas escolas públicas e particulares. No entanto, a História do Brasil que ainda se ensina nessas escolas é a história da invasão de nossos territórios por colonizadores portugueses, sem nenhuma preocupação com o estudos dos povos que aqui habitavam há milhares de anos, e que deveriam ser considerados nossos antepassados.

Lembro-me que o ensino de História em minha fase estudantil se caracterizava pela memorização de datas, fatos e personagens, supostamente essenciais para o entendimento de nossas origens. Nenhuma importância se dava à pré-história das Américas, ou a "América Pré-Colombiana", como querem os povos de origens hispânicas. Outro dia li um artigo acadêmico que declarava comprovada a presença de portugueses e espanhóis na costa americana ainda no século XIV, mas que, por conveniência política, foram mantidos em segredo na época e também em nossa contemporaneidade.

Da mesma forma que agora queremos saber a verdadeira história do período militar, sem constrangimentos ou preconceitos, apenas para registro histórico e em nome da verdade, deveríamos querer revisar o ensino da História do Brasil, respeitando a veracidade e a importância dos povos tradicionais na formação do Povo Brasileiro e na ocupação de nosso território. Hoje, essa população indígena não chega a um milhão de seres humanos, mesmo se considerando aqueles habitantes urbanos de grandes metrópoles, que já perderam sua identidade étnica e suas tradições, costumes e crenças. as já foram milhões, a maioria dizimada pelos maus-tratos, pelas doenças trazidas pelos brancos europeus, e pelo contato com a "civilização", promovido pelos sertanistas do antigo SPI e da atual FUNAI.


Mas o inconcebível, o insuportável, o inaceitável, o injustificável é que, nos dias contemporâneos, em uma sociedade que se diz evoluída e que pleiteia uma posição de destaque no cenário mundial, ainda existam tais preconceitos e tal ignorância da população "branca" e de personalidades que deveriam julgar com absoluta imparcialidade e absoluto conhecimento as questões envolvendo povos, culturas, etnias, tradições, culturas, crenças, religiões e, sobretudo, dignidade humana!

terça-feira, 6 de março de 2012

Lideranças indígenas de todo o país se reúnem em Luziânia

Fonte da notícia: Assessoria de Comunicação - Cimi
Renato Santana de Brasília (DF)

Cerca de 40 lideranças indígenas de todas as regiões do país estão reunidas no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, Goiás, para analisar a conjuntura indigenista e traçar estratégias de ação contra medidas que visam ferir direitos constitucionais, como ao território, saúde e educação diferenciadas.

O encontro começou nesta segunda-feira, 5, e deve seguir até a próxima sexta-feira, 9. Duas Propostas de Emendas Constitucionais (PECs), que tramitam em comissões na Câmara Federal (PEC 215) e no Senado (PEC 238), são a principal motivação da grande reunião.

“A demarcação e homologação de terras indígenas já estão difíceis de sair no atual governo e no anterior, que apostávamos bastante. Com a aprovação da PEC 215, ficará praticamente impossível de demarcar terras de ocupação tradicional nesse país”, afirma Takywry Kayapó, do Pará.

As PECs visam tirar do âmbito do Executivo a autorização para demarcação e homologação de terras indígenas, transferindo esse poder para o Congresso Nacional. A Fundação Nacional do Índio (Funai) continuaria responsável pelos trabalhos fundiários e antropológicos.    

Deve acontecer nas próximas semanas a votação da PEC 215 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Depois de adiada por duas vezes em dezembro do ano passado, por pressão do movimento indígena, o acordo do governo com a bancada ruralista é de votar a PEC logo na abertura dos trabalhos desse ano.

“Entendemos que essas PECs são anticonstitucionais. Os fazendeiros, garimpeiros e madeireiros estão na campanha para que elas sejam aprovadas. Querem os territórios indígenas para explorá-los. Ou seja, as PECs legitimam a vontade desses grupos”, ataca Neguinho Truká, de Pernambuco.

Para ele, o enfrentamento no Congresso Nacional é desfavorável aos indígenas, posto que a bancada ruralista tem ampla maioria. Com isso, o agronegócio forçaria para que nenhuma terra indígena fosse demarcada, além de querer rever outras já demarcadas e homologadas.  

“A única coisa que temos nos querem tirar, que é a Constituição. Os quilombolas nem isso têm. As organizações indígenas e não-indígenas precisam se unir para combater essas PECs”, declara Takywry Kayapó.  

Criminalização e conflitos

Um dos efeitos mais imediatos da morosidade na demarcação de terras indígenas, ou na não demarcação, são os conflitos entre indígenas e os invasores do território de ocupação tradicional. A demora nas decisões judiciais, caso da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, na Bahia, pela extrusão também acirra os ânimos.

Tais conflitos trazem um pacote de desgraças aos indígenas: criminalização de lideranças, assassinatos e violação de direitos fundamentais, como saúde e educação. Maurício Guarani, do Rio Grande do Sul, defende que as PECs deixarão a situação ainda pior.

“Isso preocupa muito nós, lideranças indígenas de base, que vivem nas aldeias. Principalmente com medidas de mudanças de direitos que garantem a terra, o atendimento diferenciado na saúde, educação e atividades produtivas”, diz.   

Maurício frisa que a terra aos indígenas é fundamental para que as comunidades possam viver de acordo com suas culturas e modos de existência. Já para as grandes empresas e governo, a terra e a natureza significam exploração; retirar de forma depredatória tudo o que ambas podem oferecer em prol de um desenvolvimento genocída e fundamentalista.

“Precisamos mostrar ao mundo que esse desenvolvimento ocorre violando direitos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, dos camponeses”, acredita e Takywry Kayapó complementa: “Não somos contra o país melhorar, crescer. O que fazemos é questionar esse desenvolvimento, esse crescimento”.   

Falta de consulta

O fato é que o governo federal, conforme dizem os indígenas, pouco os ouve quanto ao modelo de desenvolvimento empregado. Isso em vias práticas significa dizer que as comunidades não foram ouvidas para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, transposição do rio São Francisco, entre outros grandes empreendimentos.

“Não nos consultaram sobre Belo Monte. É mentira de quem do governo federal diz que fomos consultados conforme exige a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho)”, afirma Takywry Kayapó.

Neguinho Truká lembra que na UHE Belo Monte estão sendo investidos R$ 30 bilhões, enquanto para a demarcação de terras indígenas menos de 3 milhões. Para a liderança Truká, é preciso denunciar que 80% dos projetos financiados pelo BNDES no Brasil e na América Latina afetam terras indígenas – casos de TIPNIS, na Bolívia, e da própria usina de Belo Monte, no Pará.

“Como pano de fundo dessa conjuntura temos o governo que recebe a Rio+20 para falar da questão ambiental e grandes empreendimentos, mas na perspectiva deles e sem espaço para os indígenas, representados apenas pelo Marcos Apurinã”, protesta Neguinho.  

Para as lideranças, o Encontro Nacional servirá também para discutir políticas públicas e mostrar que os indígenas estão de olho aberto, se preparando para a guerra que se avizinha.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Sobre Antepassados e Descendentes

Provavelmente, poucas são as pessoas que atentam para um aspecto essencial da cultura humana: a coexistência de grupos sociais em diferentes estágios evolutivos, no que tange ao conhecimento técnico, científico, filosófico e social. Raramente paramos para meditar sobre as razões que levaram certos grupos a evoluir, enquanto outros preferiram permanecer em estágios mais simples (menos sofisticados) de vida. Infelizmente, e eu já tratei desse assunto antes, o que move o ser humano a desenvolver novas competências, novas habilidades e novas tecnologias, não é sua curiosidade inata, como querem crer alguns pesquisadores, mas a necessidade provocada pelos conflitos, pelas guerras, pelas tragédias naturais e pelas vicissitudes do próprio ambiente natural em que vivem esses povos. Prova disso é que, onde existe abundância de recursos naturais e poucos inimigos ou predadores, essas sociedades permanecem em estágios primitivos de vida, usufruindo da paz, e da segurança existentes.

Nós, brasileiros, não atentamos para um dos mais ricos aspectos de nossa sociedade: existem, entre nós, centenas de etnias, principalmente dos habitantes originários de nossa terra, e que nos acostumamos a unificar sob a denominação de "indígenas", inapropriada para tamanha diversidade étnica e social. Curiosamente, em decorrência  do processo de ocupação dessas terras brasilienses, algumas sociedades nativas foram mais expostas ao contato do que outras, forçando as primeiras a se adaptarem mais intensamente aos invasores e usurpadores de sua nação, com a perda gradual de suas crenças, tradições e costumes para não serem levadas à extinção.

Hoje, o Brasil talvez seja a região mais complexa do mundo em diversidade étnica, mas o que se torna mais intrigante aos olhos do investigador é a coexistência de "tribos" nos mais diferentes estágios evolutivos, simultaneamente. Algumas, ainda nos primórdios da organização social, vivendo da caça, da pesca e da coleta de alimentos, andando nuas, praticando rituais conduzidos por xamãs entorpecidos por alucinógenos, enquanto outras já se integraram de tal forma às sociedades urbanas, ditas "civilizadas", que mal se distinguem na multidão, exceto por alguns traços remanescentes de seus antepassados.

No entanto, e justamente por essa displicente desatenção de nosso povo, a discriminação "racial" nos faz sentir diferentes, desprezando justamente nossa maior riqueza cultural representada por esse processo interétnico que deveria ter criado uma sociedade mais tolerante, mais justa e compreensiva com a diversidade que existe em cada um de nós.

Talvez a arrogância de uma sociedade aristocrática trazida pelos portugueses e incentivada pelas classes dominantes ao longo desses últimos cinco séculos nos tenha feito cegos a essa realidade. Talvez a exploração,  por mais de três séculos, da mão-de-obra escrava, seja de negros africanos, seja de "indígenas" americanos, nos tenha anestesiado de contemplar com orgulho essa fantástica mistura de "raças", que deveria nos tornar diferentes aos olhos do mundo.

Até quando iremos ignorar nossas origens étnicas, massacrando essas sociedades encantadoras, cujos costumes deveriam ser referência para nossa organização social, desprezando o que existe de mais rico em nosso povo, simplesmente porque somos incapazes de conviver com essas diferenças? Enquanto alguns segmentos querem nos impor a noção de que tolerar as diferenças é simplesmente aceitar a idéia de casamentos de homossexuais, pela simples razão de que esse modelo traz vantagens econômicas e leva as pessoas a pensar que somos uma sociedade evoluída, pela comparação a outras nações que não têm o privilégio de contar, entre seus habitantes, mais de um milhão de indígenas, mais de 1.000 terras indígenas, mais de 500 etnias, mais de 100 línguas distintas! Buscamos lá na Europa uma referência exógena, que nada tem a ver com o desenvolvimento de nosso povo, por simples manipulação intelectual...

Esse mesmo complexo de inferioridade intelectual dos brasileiros nos faz desprezar outra riqueza incomparável em qualquer outra parte do planeta, e que poderia ser nosso passaporte para o futuro, que é a Natureza prodigiosa que temos no Brasil. Quantos países do mundo têm tamanha biodiversidade, tantos biomas diferentes, tamanha extensão de bacias hidrográficas e volume de água doce, e, por simples ignorância ou medo, colocamos tudo a perder para satisfazer os desejos de uma minoria insignificante de milionários que tem o poder de determinar as políticas nacionais?

Precisamos perder a vergonha de sermos diferentes e aprender a contrariar as minorias dominantes de latifundiários, mineradores, banqueiros, para constatar que nossa vocação não precisa ser produzir matérias-primas, grãos e carne para abastecer o mundo e vivermos nós das migalhas da civilização! Precisamos compreender que, um dia, o petróleo se acabará, assim como nossos minérios; mas nesse dia que virá certamente, teremos exaurido nossos ambientes naturais, teremos extinguido nossos recursos hídricos, e não teremos estruturado uma sociedade orgulhosa de seu valor intelectual, capaz de determinar os destinos da humanidade.

Para isso será necessário, primeiro, que entendamos o nosso povo, sem distinção de cor da pele, de raça (ou etnia), de tradições, cultura, saber e crenças espirituais, tratando-nos a todos como um mesmo povo, uma mesma nação, sem preconceitos ou estereótipos! Para que tenhamos um papel preponderante de liderança no cenário mundial será necessário, antes, aprendermos a gostar de nosso povo e de admirar nossas origens, esquecendo os pecados e os crimes cometidos pelos que nos antecederam, pelos genocídios, pelo desrespeito a seres humanos trucidados em nome de um poder insano e desumano.

AWARETÉ

Atividades produtivas
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A agricultura é a base da subsistência araweté, sendo o milho o produto dominante de março a novembro, e a mandioca no período complementar. De todo modo, há uma predominância absoluta do cultivo do milho sobre o da mandioca, o que distingue o grupo dos demais Tupi-Guarani amazônicos. O milho é consumido como mingau de milho verde, farinha de milho, mingau doce, paçoca de milho e mingau alcoólico. Este último (cauim) é o foco da maior cerimônia, que se realiza várias vezes durante a estação seca. Planta-se também batata-doce, macaxeira, cará, algodão, tabaco, abacaxi, cuieiras, curauá (uma bromeliácea usada para cordoaria), mamão, urucum.
A caça também é objeto de intenso investimento cultural. Os Araweté caçam uma grande variedade de animais; em ordem aproximada de importância alimentar, temos: jabotis; tatus; mutuns, jacus; cotia; caititu; queixada; guariba; macacos-pregos; paca; veados; inhambus; araras, jacamins, jaós; anta. Tucanos, araras, o gavião-real e outros gaviões menores, os mutuns, o japu e dois tipos de cotingas são procurados também pelas penas, para flechas e adornos. As araras vermelha e canindé, e os papagaios, são capturados vivos e criados como xerimbabos na aldeia. (Em 1982, a aldeia tinha 54 araras criadas soltas.)
As armas de caça são o arco de madeira de ipê, admiravelmente bem trabalhado, e três tipos de flecha. As armas de fogo foram introduzidas em 1982, e seu uso tem levado à diminuição da população animal nos arredores, obrigando os Araweté a cobrirem um raio maior de território.
A pesca se divide em dois períodos: a estação de pesca com o timbó, em outubro-novembro, e os meses de pesca cotidiana, feita com arco e flecha ou anzol e linha. Embora o peixe seja alimento valorizado, é-o menos que a carne de caça, e a pesca é uma atividade principalmente exercida por meninos e mulheres (exceto as pescarias coletivas com timbó). Os Araweté são índios da terra firme: a maioria das pessoas mais velhas não sabe nadar. A água de beber e cozinhar é retirada de cacimbas abertas na margem arenosa dos cursos d'água ou nos açaizais.
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A coleta é uma atividade importante. Seus principais produtos alimentares são: o mel, de que os Araweté possuem uma refinada classificação, com pelo menos 45 tipos de mel, de abelhas e vespas, comestíveis ou não; o açaí (Euterpe oleracea); a bacaba (Œnocarpus sp.); a castanha-do-Pará (Bertholetia excelsa), importante na época das chuvas; o coco-babaçu (Orbygnia phalerata), comido e usado como liga do urucum, e para ductilizar a madeira dos arcos; e frutas como o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), o frutão (Lucuma pariry), o cacau-bravo (Theobroma speciosum), o ingá (Inga sp.), o cajá (Spondias sp.), e diversas sapotáceas. Destaquem-se ainda os ovos de tracajás (Podocnemis sp.), objeto de excursões familiares às praias do Ipixuna em setembro, e os vermes do babaçu (Pachymerus nucleorum), que podem também ser criados nos cocos armazenados em casa.
Dentre os produtos não-alimentares da coleta, podem-se registrar: as folhas e talas de babaçu para a cobertura das casas, esteiras, cestos; a bainha das folhas de inajá (Maximiliana maripa), açaí e babaçu, que servem de recipientes; dois tipos de cana para flecha; o taquaruçu para a ponta das flechas de guerra e caça grossa; a taquarinha e outras talas para as peneiras e o chocalho de xamanismo; a cuia silvestre para o maracá de dança; madeiras especiais para pilões, cabos de machado, arco, pontas de flecha, esteios e vigas das casas, paus de cavar, formões; enviras e cipós para amarração; e barro para uma cerâmica simples, hoje em desuso com a introdução das panelas de metal.

Os trabalhos e os dias


A vida social e econômica dos Araweté bate em compasso binário: floresta e aldeia, caça e agricultura, chuva e seca, dispersão e concentração.
Nas primeiras chuvas de novembro-dezembro, planta-se a roça de milho. À medida que cada família termina de plantar, vai abandonando a aldeia pela mata, onde ficará até que o milho esteja em ponto de colheita - um período de cerca de três meses. Os homens caçam, estocam jabotis, tiram mel; as mulheres coletam castanha-do-Pará, coco-babaçu, larvas, frutas, torram o pouco milho velho da colheita anterior que trouxeram. Essa fase de dispersão é chamada de awacï mo-tiarã, "fazer amadurecer o milho" - diz-se que, caso não se vá para a mata, o milho não vinga. Em fevereiro- março, após várias viagens de inspeção às roças, alguém finalmente traz os cabelos do milho verde ao acampamento, mostrando a maturidade da planta. Faz-se aí a última grande pajelança do jaboti - atividade típica da estação chuvosa - e a primeira grande dança opirahë, característica da fase aldeã que está para se iniciar. Esse é o "tempo do milho verde", o começo do ano araweté.
Apenas quando todas as famílias já chegaram na aldeia se faz a primeira pajelança de cauim (mingau de milho) doce, a que outras se seguem. O milho de cada festa é colhido coletivamente na roça de uma família, mas processado por cada unidade residencial da aldeia. Essa é também uma época em que as mulheres preparam grandes quantidades de urucum, dando à aldeia uma tonalidade avermelhada geral. A partir de abril- maio as chuvas diminuem, e se estabiliza a fase de vida aldeã, marcada pela faina incessante de processamento do milho maduro, que fornece a paçoca mepi, base da dieta da estação seca.
De junho até outubro estende-se a estação do cauim alcoólico, que recebe seu nome: kã'i da me, "tempo do cauim azedo". É o auge da seca. As noites são animadas pelas danças opirahë, que se intensificam durante as semanas em que se prepara o cauim. Essa bebida é produzida por uma família ou seção residencial, com o milho de sua própria roça. Pode haver vários festins durante a estação seca, oferecidos por diferentes famílias. Eles costumavam reunir mais de uma aldeia - quando os Araweté possuíam diferentes grupos locais- e ainda são o momento culminante da sociabilidade. A festa do cauim alcoólico é uma grande dança opirahë noturno em que os homens, servidos pela família anfitriã, dançam e cantam, bebendo até o dia seguinte.
Na fase final de fermentação da bebida - o processo todo dura uns vinte dias - os homens saem para uma caçada coletiva. Retornam uma semana depois, trazendo muita carne moqueada, o que os dispensará de caçar por vários dias. Na véspera da chegada dos caçadores há uma sessão de descida dos Maï e das almas dos mortos, trazidos por um pajé para provarem do cauim.
A partir de julho-agosto começam a aumentar a freqüência e a duração dos movimentos de dispersão. As famílias se mudam para as roças, mesmo que essas não distem muito da aldeia, e ali acampam por uma quinzena ou mais. É a estação de "quebrar o milho", quando se colhe todo o milho ainda no pé e se o armazena em grandes cestos, depositados sobre jiraus na periferia das roças. Dali as famílias se vão abastecendo até o final da estação seca, quando os cestos restantes são levados para o novo sítio de plantio.
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Esta temporada na roça reúne em cada acampamento mais de uma família conjugal - seja porque a roça pertence a uma seção residencial (conjunto de famílias aparentadas que moram próximas entre si na aldeia), seja porque os donos de roças próximas decidem acampar juntos. Durante a quebra do milho, os homens saem todo dia para caçar, enquanto as mulheres e crianças colhem as espigas, fazem farinha, tecem; essa é também a época da colheita do algodão.
Tais temporadas na roça são vistas como muito agradáveis. Depois de cinco ou seis meses de convivência na aldeia, os Araweté parecem ficar inquietos e entediados. Nos acampamentos de roça as pessoas ficam mais à vontade, conversam livremente sem medo de serem ouvidas por vizinhos indiscretos.
Durante o auge da estação seca, dificilmente se passa mais de uma semana sem que um grupo de homens decida realizar uma expedição de caça, quando dormem fora de uma a cinco noites. São comuns também, a partir de agosto, as excursões de grupos de famílias, para pegar ovos de tracajá, pescar, caçar, capturar filhotes de arara e papagaio. Exceto nos meses de março a julho, é muito raro haver dias em que todas as famílias estão dormindo na aldeia.
A partir de setembro, a estação do cauim começa a dar lugar ao tempo do açaí e do mel. A chegada dos espíritosIaraci (o "comedor de açaí") e Ayaraetã (o "pai do mel"), trazidos à aldeia pelos pajés, provoca a dispersão de todos para a mata em busca dos produtos associados a esses espíritos.
Em outubro-novembro, com as águas dos rios em seu nível mais baixo, fazem-se as pescarias com timbó, que também levam à fragmentação da aldeia em grupos menores.
A dispersão criada por todas essas atividades de coleta e pesca, porém, é mais uma vez contrabalançada pelas exigências do milho. Em setembro começa a derrubada das roças novas; no final de outubro, a queimada; e logo às primeiras chuvas de novembro-dezembro, o plantio, logo antes da dispersão das chuvas. Antes de partirem para a mata, colhe-se a mandioca, cuja farinha servirá de complemento à caça e ao mel da dieta da mata.
Este é o ciclo anual araweté: um constante oscilar entre a aldeia e a floresta, a agricultura e a caça-coleta, a estação seca e a chuvosa. A vida na aldeia está sob o signo do milho, e de seu produto mais elaborado, o cauim alcoólico; a vida na mata está sob o signo do jabuti (a caça dominante na estação chuvosa) e do mel.
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O texto acima foi extraído do excelente site do Instituto Socioambiental - ISA, verdadeira Enciclopédia Indigenista, cujo acervo antropológico é certamente o mais rico do Brasil. Minha intenção ao publicá-lo é de esclarecer, de uma vez por todas, o equivocado preconceito de que indígenas "são vadios", uma injustiça aos habitantes legítimos dessa "Terra de Santa Cruz". Recomendo a leitura deste site a todos que desejam conhecer toda riqueza cultural dos Povos Indígenas da Nação Brasileira.