quinta-feira, 1 de março de 2012

AWARETÉ

Atividades produtivas
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A agricultura é a base da subsistência araweté, sendo o milho o produto dominante de março a novembro, e a mandioca no período complementar. De todo modo, há uma predominância absoluta do cultivo do milho sobre o da mandioca, o que distingue o grupo dos demais Tupi-Guarani amazônicos. O milho é consumido como mingau de milho verde, farinha de milho, mingau doce, paçoca de milho e mingau alcoólico. Este último (cauim) é o foco da maior cerimônia, que se realiza várias vezes durante a estação seca. Planta-se também batata-doce, macaxeira, cará, algodão, tabaco, abacaxi, cuieiras, curauá (uma bromeliácea usada para cordoaria), mamão, urucum.
A caça também é objeto de intenso investimento cultural. Os Araweté caçam uma grande variedade de animais; em ordem aproximada de importância alimentar, temos: jabotis; tatus; mutuns, jacus; cotia; caititu; queixada; guariba; macacos-pregos; paca; veados; inhambus; araras, jacamins, jaós; anta. Tucanos, araras, o gavião-real e outros gaviões menores, os mutuns, o japu e dois tipos de cotingas são procurados também pelas penas, para flechas e adornos. As araras vermelha e canindé, e os papagaios, são capturados vivos e criados como xerimbabos na aldeia. (Em 1982, a aldeia tinha 54 araras criadas soltas.)
As armas de caça são o arco de madeira de ipê, admiravelmente bem trabalhado, e três tipos de flecha. As armas de fogo foram introduzidas em 1982, e seu uso tem levado à diminuição da população animal nos arredores, obrigando os Araweté a cobrirem um raio maior de território.
A pesca se divide em dois períodos: a estação de pesca com o timbó, em outubro-novembro, e os meses de pesca cotidiana, feita com arco e flecha ou anzol e linha. Embora o peixe seja alimento valorizado, é-o menos que a carne de caça, e a pesca é uma atividade principalmente exercida por meninos e mulheres (exceto as pescarias coletivas com timbó). Os Araweté são índios da terra firme: a maioria das pessoas mais velhas não sabe nadar. A água de beber e cozinhar é retirada de cacimbas abertas na margem arenosa dos cursos d'água ou nos açaizais.
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A coleta é uma atividade importante. Seus principais produtos alimentares são: o mel, de que os Araweté possuem uma refinada classificação, com pelo menos 45 tipos de mel, de abelhas e vespas, comestíveis ou não; o açaí (Euterpe oleracea); a bacaba (Œnocarpus sp.); a castanha-do-Pará (Bertholetia excelsa), importante na época das chuvas; o coco-babaçu (Orbygnia phalerata), comido e usado como liga do urucum, e para ductilizar a madeira dos arcos; e frutas como o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), o frutão (Lucuma pariry), o cacau-bravo (Theobroma speciosum), o ingá (Inga sp.), o cajá (Spondias sp.), e diversas sapotáceas. Destaquem-se ainda os ovos de tracajás (Podocnemis sp.), objeto de excursões familiares às praias do Ipixuna em setembro, e os vermes do babaçu (Pachymerus nucleorum), que podem também ser criados nos cocos armazenados em casa.
Dentre os produtos não-alimentares da coleta, podem-se registrar: as folhas e talas de babaçu para a cobertura das casas, esteiras, cestos; a bainha das folhas de inajá (Maximiliana maripa), açaí e babaçu, que servem de recipientes; dois tipos de cana para flecha; o taquaruçu para a ponta das flechas de guerra e caça grossa; a taquarinha e outras talas para as peneiras e o chocalho de xamanismo; a cuia silvestre para o maracá de dança; madeiras especiais para pilões, cabos de machado, arco, pontas de flecha, esteios e vigas das casas, paus de cavar, formões; enviras e cipós para amarração; e barro para uma cerâmica simples, hoje em desuso com a introdução das panelas de metal.

Os trabalhos e os dias


A vida social e econômica dos Araweté bate em compasso binário: floresta e aldeia, caça e agricultura, chuva e seca, dispersão e concentração.
Nas primeiras chuvas de novembro-dezembro, planta-se a roça de milho. À medida que cada família termina de plantar, vai abandonando a aldeia pela mata, onde ficará até que o milho esteja em ponto de colheita - um período de cerca de três meses. Os homens caçam, estocam jabotis, tiram mel; as mulheres coletam castanha-do-Pará, coco-babaçu, larvas, frutas, torram o pouco milho velho da colheita anterior que trouxeram. Essa fase de dispersão é chamada de awacï mo-tiarã, "fazer amadurecer o milho" - diz-se que, caso não se vá para a mata, o milho não vinga. Em fevereiro- março, após várias viagens de inspeção às roças, alguém finalmente traz os cabelos do milho verde ao acampamento, mostrando a maturidade da planta. Faz-se aí a última grande pajelança do jaboti - atividade típica da estação chuvosa - e a primeira grande dança opirahë, característica da fase aldeã que está para se iniciar. Esse é o "tempo do milho verde", o começo do ano araweté.
Apenas quando todas as famílias já chegaram na aldeia se faz a primeira pajelança de cauim (mingau de milho) doce, a que outras se seguem. O milho de cada festa é colhido coletivamente na roça de uma família, mas processado por cada unidade residencial da aldeia. Essa é também uma época em que as mulheres preparam grandes quantidades de urucum, dando à aldeia uma tonalidade avermelhada geral. A partir de abril- maio as chuvas diminuem, e se estabiliza a fase de vida aldeã, marcada pela faina incessante de processamento do milho maduro, que fornece a paçoca mepi, base da dieta da estação seca.
De junho até outubro estende-se a estação do cauim alcoólico, que recebe seu nome: kã'i da me, "tempo do cauim azedo". É o auge da seca. As noites são animadas pelas danças opirahë, que se intensificam durante as semanas em que se prepara o cauim. Essa bebida é produzida por uma família ou seção residencial, com o milho de sua própria roça. Pode haver vários festins durante a estação seca, oferecidos por diferentes famílias. Eles costumavam reunir mais de uma aldeia - quando os Araweté possuíam diferentes grupos locais- e ainda são o momento culminante da sociabilidade. A festa do cauim alcoólico é uma grande dança opirahë noturno em que os homens, servidos pela família anfitriã, dançam e cantam, bebendo até o dia seguinte.
Na fase final de fermentação da bebida - o processo todo dura uns vinte dias - os homens saem para uma caçada coletiva. Retornam uma semana depois, trazendo muita carne moqueada, o que os dispensará de caçar por vários dias. Na véspera da chegada dos caçadores há uma sessão de descida dos Maï e das almas dos mortos, trazidos por um pajé para provarem do cauim.
A partir de julho-agosto começam a aumentar a freqüência e a duração dos movimentos de dispersão. As famílias se mudam para as roças, mesmo que essas não distem muito da aldeia, e ali acampam por uma quinzena ou mais. É a estação de "quebrar o milho", quando se colhe todo o milho ainda no pé e se o armazena em grandes cestos, depositados sobre jiraus na periferia das roças. Dali as famílias se vão abastecendo até o final da estação seca, quando os cestos restantes são levados para o novo sítio de plantio.
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Esta temporada na roça reúne em cada acampamento mais de uma família conjugal - seja porque a roça pertence a uma seção residencial (conjunto de famílias aparentadas que moram próximas entre si na aldeia), seja porque os donos de roças próximas decidem acampar juntos. Durante a quebra do milho, os homens saem todo dia para caçar, enquanto as mulheres e crianças colhem as espigas, fazem farinha, tecem; essa é também a época da colheita do algodão.
Tais temporadas na roça são vistas como muito agradáveis. Depois de cinco ou seis meses de convivência na aldeia, os Araweté parecem ficar inquietos e entediados. Nos acampamentos de roça as pessoas ficam mais à vontade, conversam livremente sem medo de serem ouvidas por vizinhos indiscretos.
Durante o auge da estação seca, dificilmente se passa mais de uma semana sem que um grupo de homens decida realizar uma expedição de caça, quando dormem fora de uma a cinco noites. São comuns também, a partir de agosto, as excursões de grupos de famílias, para pegar ovos de tracajá, pescar, caçar, capturar filhotes de arara e papagaio. Exceto nos meses de março a julho, é muito raro haver dias em que todas as famílias estão dormindo na aldeia.
A partir de setembro, a estação do cauim começa a dar lugar ao tempo do açaí e do mel. A chegada dos espíritosIaraci (o "comedor de açaí") e Ayaraetã (o "pai do mel"), trazidos à aldeia pelos pajés, provoca a dispersão de todos para a mata em busca dos produtos associados a esses espíritos.
Em outubro-novembro, com as águas dos rios em seu nível mais baixo, fazem-se as pescarias com timbó, que também levam à fragmentação da aldeia em grupos menores.
A dispersão criada por todas essas atividades de coleta e pesca, porém, é mais uma vez contrabalançada pelas exigências do milho. Em setembro começa a derrubada das roças novas; no final de outubro, a queimada; e logo às primeiras chuvas de novembro-dezembro, o plantio, logo antes da dispersão das chuvas. Antes de partirem para a mata, colhe-se a mandioca, cuja farinha servirá de complemento à caça e ao mel da dieta da mata.
Este é o ciclo anual araweté: um constante oscilar entre a aldeia e a floresta, a agricultura e a caça-coleta, a estação seca e a chuvosa. A vida na aldeia está sob o signo do milho, e de seu produto mais elaborado, o cauim alcoólico; a vida na mata está sob o signo do jabuti (a caça dominante na estação chuvosa) e do mel.
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O texto acima foi extraído do excelente site do Instituto Socioambiental - ISA, verdadeira Enciclopédia Indigenista, cujo acervo antropológico é certamente o mais rico do Brasil. Minha intenção ao publicá-lo é de esclarecer, de uma vez por todas, o equivocado preconceito de que indígenas "são vadios", uma injustiça aos habitantes legítimos dessa "Terra de Santa Cruz". Recomendo a leitura deste site a todos que desejam conhecer toda riqueza cultural dos Povos Indígenas da Nação Brasileira.

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