Brasil - Diário Liberdade - [Luísa Molina] Brasília, DF. "Depois que nós finalizarmos a questão indígena, eu quero saber qual é o outro tema que eles vão inventar para poder atrapalhar a agropecuária brasileira". Foi exatamente assim – sem meias-palavras e sem pudor algum – que a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) concluiu a sua fala na audiência pública da Comissão de Agricultura na última quarta-feira, 11 de dezembro, no principal auditório da Câmara dos Deputados.
Nada mais representativo do espírito do evento e do tom de seus participantes. Convictos de uma superioridade inabalável, parlamentares e latifundiários partem do princípio de que o seu setor detém autoridade moral absoluta sobre a República. Prova disso foi a instalação à força, na noite de terça, 10 de dezembro, da comissão especial para analisar a PEC 215. Ou mesmo a realização, a todo custo e a partir de ameaças, do que foi chamado de "Leilão da Resistência", que em 7 de dezembro arrecadou mais de meio milhão de reais para ações contra indígenas em Mato Grosso do Sul, incluindo a formação de milícias.
A palavra é imponência. Em tudo o agronegócio se pretende e se diz grande (e qualquer semelhança com a tônica governista não é mera coincidência). Ruralistas e latifundiários estão se preparando para uma guerra, determinados a passar por cima de qualquer obstáculo para o seu setor. E no momento esse "obstáculo" chama-se terras indígenas.
Guerra a qualquer custo
A audiência pública desta quarta, como o leilão em Mato Grosso do Sul, foi uma demonstração de força do agronegócio, disposição para o embate e total desprezo pelos direitos indígenas. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) montou no auditório da Câmara Federal um verdadeiro cenário com faixas contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelas "mãos calejadas que alimentam o Brasil". Figuravam ali cerca de 350 trabalhadores rurais de pelo menos 7 estados (BA, TO, MA, MT, MS, PR e RS), todos com camisetas dadas pela própria CNA e chapéus de palha idênticos. Pareciam uniformizados. Os deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e da Comissão de Agricultura investiam em seus discursos a estratégia clássica de tentar uma aproximação com os trabalhadores na "luta contra o inimigo comum" – os povos indígenas e seus apoiadores. E não faltaram falas, tanto de parlamentares como de trabalhadores, onde apareceram "índios importados do Paraguai", "a rentável profissão de índio", "a mão esmagadora da Funai" e muito mais.
De outro lado, reforçavam a imagem do trabalhador de mãos calejadas, injustiçado e expulso da sua terra. Trata-se não só de dois lados, mas principalmente de posicionar-se para o "enfrentamento" – uma das palavras que mais circulou por ali. Como o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), anfitrião do evento, fez questão de frisar: "quem fica em cima do muro é caco de vidro ou gato ladrão". Heinze insistiu ao longo de toda a audiência para que os participantes narrassem processos de desintrusão (como a da terra indígena Marãiwatsédé), como se esses episódios fossem uma verdadeira tragédia, o grande pesadelo do latifundiário prestes a se espalhar por todo o país. Mais uma vez sobraram imagens nas falas: famílias sendo arrancadas à força, suicídios, idosos em surto psicótico, crianças sofrendo. Além da raiva e do sentimento de injustiça, munições perigosas, se cultivava ali o medo.
"Debaixo de cassetete"
"Está na hora de os homens assumirem o destino do nosso país, principalmente os produtores rurais", afirmou Chico Maia, presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul) e um dos organizadores do chamado "Leilão da Resistência". Às vésperas desse evento Maia afirmou publicamente: "para entrarmos numa batalha precisamos de recurso. Imagine se precisamos da força de 300 homens, precisamos de recurso para mobilização". Em outra ocasião e ainda sobre o leilão, disse: "novos confrontos estão por vir e algo precisa ser feito para evitar novas mortes". Já na audiência pública, depois de chamar o Ministério Público Federal de "frango de granja", Chico Maia fez coro a outras dezenas de falas, quanto a expandir a proposta do leilão para outros estados.
Confrontos iminentes apareceram com nitidez nas falas e principalmente nos ânimos dos participantes. "Nós vamos fazer esse enfrentamento. Um enfrentamento duro. Em Mato Grosso do Sul e em todo o país", afirmou o senador Waldemir Moka (PMDB-MS). Aplausos e as expressões de satisfação que rondaram o auditório quando o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), ao falar de como "lidaram" com "o problema indígena" no seu estado com violência. "Ninguém mais contrata advogado. Entrou hoje [indígena na terra], sai na madrugada do dia seguinte. Sai debaixo de cacete". Ele prossegue, aconselhando outros a contratarem empresas de segurança: "4 horas da manhã você aborda o pessoal [que entrou na terra], chega o cravo no primeiro que reclamar, dá-lhe um cacete, bota em cima de um caminhão e manda devolver". Queiroz, sem disfarçar um racismo quase caricato, disse ainda: "[os índios] querem ser civilizados. Nós todos um dia fomos índios. Nós, aliás, fomos macacos".
Fonte: Diário Liberdade
A palavra é imponência. Em tudo o agronegócio se pretende e se diz grande (e qualquer semelhança com a tônica governista não é mera coincidência). Ruralistas e latifundiários estão se preparando para uma guerra, determinados a passar por cima de qualquer obstáculo para o seu setor. E no momento esse "obstáculo" chama-se terras indígenas.
Guerra a qualquer custo
A audiência pública desta quarta, como o leilão em Mato Grosso do Sul, foi uma demonstração de força do agronegócio, disposição para o embate e total desprezo pelos direitos indígenas. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) montou no auditório da Câmara Federal um verdadeiro cenário com faixas contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelas "mãos calejadas que alimentam o Brasil". Figuravam ali cerca de 350 trabalhadores rurais de pelo menos 7 estados (BA, TO, MA, MT, MS, PR e RS), todos com camisetas dadas pela própria CNA e chapéus de palha idênticos. Pareciam uniformizados. Os deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e da Comissão de Agricultura investiam em seus discursos a estratégia clássica de tentar uma aproximação com os trabalhadores na "luta contra o inimigo comum" – os povos indígenas e seus apoiadores. E não faltaram falas, tanto de parlamentares como de trabalhadores, onde apareceram "índios importados do Paraguai", "a rentável profissão de índio", "a mão esmagadora da Funai" e muito mais.
De outro lado, reforçavam a imagem do trabalhador de mãos calejadas, injustiçado e expulso da sua terra. Trata-se não só de dois lados, mas principalmente de posicionar-se para o "enfrentamento" – uma das palavras que mais circulou por ali. Como o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), anfitrião do evento, fez questão de frisar: "quem fica em cima do muro é caco de vidro ou gato ladrão". Heinze insistiu ao longo de toda a audiência para que os participantes narrassem processos de desintrusão (como a da terra indígena Marãiwatsédé), como se esses episódios fossem uma verdadeira tragédia, o grande pesadelo do latifundiário prestes a se espalhar por todo o país. Mais uma vez sobraram imagens nas falas: famílias sendo arrancadas à força, suicídios, idosos em surto psicótico, crianças sofrendo. Além da raiva e do sentimento de injustiça, munições perigosas, se cultivava ali o medo.
"Debaixo de cassetete"
"Está na hora de os homens assumirem o destino do nosso país, principalmente os produtores rurais", afirmou Chico Maia, presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul) e um dos organizadores do chamado "Leilão da Resistência". Às vésperas desse evento Maia afirmou publicamente: "para entrarmos numa batalha precisamos de recurso. Imagine se precisamos da força de 300 homens, precisamos de recurso para mobilização". Em outra ocasião e ainda sobre o leilão, disse: "novos confrontos estão por vir e algo precisa ser feito para evitar novas mortes". Já na audiência pública, depois de chamar o Ministério Público Federal de "frango de granja", Chico Maia fez coro a outras dezenas de falas, quanto a expandir a proposta do leilão para outros estados.
Confrontos iminentes apareceram com nitidez nas falas e principalmente nos ânimos dos participantes. "Nós vamos fazer esse enfrentamento. Um enfrentamento duro. Em Mato Grosso do Sul e em todo o país", afirmou o senador Waldemir Moka (PMDB-MS). Aplausos e as expressões de satisfação que rondaram o auditório quando o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), ao falar de como "lidaram" com "o problema indígena" no seu estado com violência. "Ninguém mais contrata advogado. Entrou hoje [indígena na terra], sai na madrugada do dia seguinte. Sai debaixo de cacete". Ele prossegue, aconselhando outros a contratarem empresas de segurança: "4 horas da manhã você aborda o pessoal [que entrou na terra], chega o cravo no primeiro que reclamar, dá-lhe um cacete, bota em cima de um caminhão e manda devolver". Queiroz, sem disfarçar um racismo quase caricato, disse ainda: "[os índios] querem ser civilizados. Nós todos um dia fomos índios. Nós, aliás, fomos macacos".
Fonte: Diário Liberdade
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