Talvez muitos se perguntem a razão de eu ter publicado, a partir de informações da Wikipedia, a biografia de Giordano Bruno (veja artigo anterior). Podem até estranhar que eu, ateu convicto, venha a apresentar e reverenciar a história desse teólogo italiano. Talvez nem mesmo compreendam a relação entre o pensamento filosófico desse pensador medieval e nosso contexto histórico contemporâneo, supostamente democrático, pois provavelmente, "nunca na história deste país" houve tamanha liberdade de expressão. Prova disso é a existência deste meu blog, sem censuras ou revanches!
Assunto recorrente em minhas publicações, procuro compartilhar com meu público a certeza de que só pode existir democracia e liberdade de expressão se a população tiver consciência de si mesma e capacidade crítica para analisar (e tirar suas próprias conclusões) acerca de ideologias, de pensamentos coletivos e de linhas filosóficas. Entendo que a Filosofia hodierna,ao contrário do que fora concebida pelos pensadores gregos, alemães e romanos, carece de inteligência, coerência e autonomia de raciocínio e, principalmente, de Cultura.
Não sendo um Filósofo por formação, atrevo-me a qualificar-me como um pensador, uma vez que manifesto minhas ideias com uma certa independência, que a muitos incomoda, e muita determinação, acreditando ser obrigação de todos os seres conscientes ter uma vida coerente com os ideais que defende, sob pena de perder, definitivamente, sua credibilidade. Não postulo conquistar adeptos ou seguidores, mas apenas ajudá-los a pensar.
O que me faz crer que as gerações que me sucederam tornaram-se, via de regra, carentes da capacidade de produzir pensamentos é, paradoxalmente, consequência dos mais avançados recursos de socialização do pensamento: a tecnologia, os meios de comunicação e as redes sociais. A disponibilidade de informação atualizada, extremamente veloz, de baixo custo de aquisição e extremamente "amigável" seria, por princípio, o mais poderoso vetor de crescimento intelectual já produzido pela ciência humana.
No entanto, contraditoriamente, essa mesma facilidade e agilidade tem gerado mais contestações e equívocos do que propriamente fontes de referência qualificadas. Qualquer ideia bem vendida, ainda que falsa ou mentirosa, conquista em poucos minutos milhares, senão milhões de adeptos que sequer questionam sua veracidade e originalidade. Somos induzidos a multiplicar o público-alvo da notícia ou informação antes mesmo de meditar sobre seu significado, relevância ou veracidade. O mecanismo é extremamente simples: ler (de forma superficial), "curtir" e "compartilhar"! Simples assim...
Lembro-me, cinquenta anos atrás, que havia poucas alternativas de busca do conhecimento: a escola (pública), o cinema, os jornais, as revistas e os livros. Quando uma informação nos atingia, tínhamos tempo suficiente para "digeri-la", analisá-la, interpretá-la à luz de nosso próprio conhecimento, e estabelecer um juízo de valor, corroborando-a e incorporando-a ao nosso acervo pessoal de cultura, ou contradizendo-a através de conclusões próprias acerca de sua veracidade, pertinência e relevância. A veiculação de um fato, conceito ou teoria produzia, assim, transformações indeléveis em nosso arcabouço intelectual.
Cada leitor se transfigurava em autor, transformador de ideias, crítico ou adepto. Esse processo, por ser lento, permitia a sublimação do saber e a evolução natural da cultura, seja coletivamente, seja em cada indivíduo exposto às informações. O menor tempo entre a produção, divulgação e assimilação de uma notícia, teoria ou saber era medido em dias, o suficiente para corroborar a procedência dessa informação e sua singularidade.
O ser humano é, por natureza ou comodismo, preguiçoso e cordato; assim, as transformações sociais se processavam em anos, muitos anos, conforme o impacto causado em seu público consumidor. Dessa forma, a validação da informação poderia ser mais profunda e acurada, e não raro, descartava a ideia rejeitada antes mesmo que ela pudesse causar algum efeito danoso à sociedade.
No entanto, nos dias atuais, a informação circula o mundo em alguns segundos, contaminando milhões de seres humanos quase instantaneamente. Isso não permite às pessoas construir seu próprio juízo de valor, e a decisão em replicá-la entre seus círculos de relacionamento precisa ser tomada quase instantaneamente para assegurar a precedência e originalidade do "autor" (copiador), e pode determinar sua posição de liderança dentro de seu grupo, "tribo" ou "comunidade". Em instantes a "notícia" é traduzida para dezenas de idiomas e "corre mundo"!
Como, então, esperar dessas gerações mais recentes a coerência e a sabedoria necessária para descartar o lixo intelectual que prolifera nesses novos meios de comunicação? Não há tempo para buscar a veracidade das fontes e testar a coerência de princípios que nortearam a seleção da notícia, o desenvolvimento de uma teoria e a relevância do que é publicado.
O "autor" se tornou apenas espectador ou, na melhor das hipóteses, seu replicador! Devo citar exemplos... hoje, pela manhã, antes mesmo de iniciar meus preparativos para o trabalho, debrucei-me em meu notebook e acessei as notícias que rolavam céleres pelo canto da página do Facebook. Logo vi o nome de um amigo de São Gabriel da Cachoeira, milhares de quilômetros de distância de minha casa. Entrei em sua página e, de imediato, uma foto desviou minha atenção e me colocou diante de duas versões de um fato recente: à esquerda, uma mulher segurava seu filho ao colo, com uma arma apontada para a cabeça da criança. O texto, porém me alertava: essa informação era mentirosa ("fake", na linguagem dos internautas)! E à direita a pretensa versão verdadeira: a mesma mulher com a criança no colo, dessa vez com uma chupeta apontada para sua cabeça! Qual das duas era falsa?
Assim, as notícias giram 24 horas por dia nos canais virtuais, mostrando sempre versões conflitantes acerca de um mesmo assunto, de um mesmo povo, de um mesmo local. Não há tempo para análises: é preciso decidir impulsivamente e escolher a versão que lhe convém! E desse modo nos tornamos reféns de um oceano de informações não digeridas que impactarão em nossas vidas para sempre, sem que nos tornemos protagonistas de nosso próprio destino!
Um outro exemplo, já exaustivamente explorado por mim em meus blogs: as eleições em um país democrático (o nosso!). Se os recursos tecnológicos nos habilitaram a votar com segurança em nossos candidatos, por que os representantes eleitos são tão incompetentes, desonestos, safados e hipócritas, traindo nossos ideais que eles juraram defender e compartilhar ao longo da monótona campanha eleitoral?
A razão é simples e foi respondida pelos meus argumentos anteriores: nosso povo perdeu a capacidade de raciocinar, de analisar, de julgar, de tomar decisões e escolher seus representantes "democraticamente" eleitos! Não fosse assim e Tiririca nunca teria sido eleito! Portanto, para que tenhamos uma Democracia de fato, um Congresso digno, governadores, prefeitos e vereadores honestos e bem intencionados, para que sejamos verdadeiramente livres, é preciso mudar esse modelo consumista e predatório de "modo de vida" alicerçado sobre o lodo da incompetência, o limbo da ignorância e o vazio do conhecimento intelectual.
Se as ideologias fracassaram e as estruturas de Estado e de Poder não são adequadas ao desenvolvimento da Humanidade, é preciso transformar nossos processos de aquisição e re-produção do "conhecimento", resgatando aquilo que foi surrupiado do povo para torná-lo passivo, apático, condescendente e complacente com o poder de poucos e a miséria de muitos!... Só haverá um mundo onde valha a pena viver se extirparmos esse mal, definitivamente, de nossa equivocada visão de mundo, e restabelecermos o protagonismo humano nesta Terra.
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