quarta-feira, 14 de março de 2012

Preconceito Racial e Riqueza Étnica

É surpreendente a ignorância de nosso povo com relação a suas origens históricas e sua formação étnica! Observamos isso através das reações a eventos de natureza social, como ações em defesa de povos indígenas e quilombolas, vistas sempre como ameaças à ordem social e à estabilidade das instituições democráticas. O mais surpreendente é que mesmo na capital federal, onde a mistura racial é extrema, tendo suas origens em povos vindos de todas as regiões do país, o brasiliense é aristocrático e preconceituoso, como se fosse um descendente ariano de estirpe nobre.

Falo das questões indígenas no Distrito Federal, mais precisamente à questão do povo Fulniô-Tapuya, que reivindica a preservação de seu local sagrado, o Santuário dos Pajés, ameaçado de destruição pelas obras milionárias do empreendimento imobiliário conhecido como "Setor Noroeste", e que, paradoxalmente, pretende ser um "Bairro Ecológico"!

Hoje pela manhã conversei com o Pajé Santxiê Tapuya, aqui na sede da FUNAI, e ele me relatou a arrogância da juíza que trata do processo e deu ganho de causa aos empreiteiros, depois de uma pergunta que demonstra toda sua ignorância com relação aos povos indígenas, seus valores, tradições e costumes: “Porque esses índios não podem realizar esses rituais em outro lugar?”, pergunta a juíza. É incrível imaginar que tamanha desfaçatez partiu de uma juíza de direito!

Embora esse caso tenha ocorrido em 2011, trago-o de volta ao debate pela simples razão de permanecer inconcluso e polêmico. Como agente em indigenismo, e tendo trabalhado durante um ano na Amazônia, tornou-se comum para mim ouvir de brasileiros expressões que evidenciam seu desprezo pelos povos indígenas, até mesmo em São Gabriel da Cachoeira, cidade onde 90% da população é indígena e o restante são descendentes dos primeiros migrantes que lá chegaram para construir a Perimetral Norte!

Comprometido integralmente com a causa indígena e consciente de meu papel como servidor público federal, sinto-me no dever de expor conceitos que necessariamente deveriam ser ensinados nas escolas públicas e particulares. No entanto, a História do Brasil que ainda se ensina nessas escolas é a história da invasão de nossos territórios por colonizadores portugueses, sem nenhuma preocupação com o estudos dos povos que aqui habitavam há milhares de anos, e que deveriam ser considerados nossos antepassados.

Lembro-me que o ensino de História em minha fase estudantil se caracterizava pela memorização de datas, fatos e personagens, supostamente essenciais para o entendimento de nossas origens. Nenhuma importância se dava à pré-história das Américas, ou a "América Pré-Colombiana", como querem os povos de origens hispânicas. Outro dia li um artigo acadêmico que declarava comprovada a presença de portugueses e espanhóis na costa americana ainda no século XIV, mas que, por conveniência política, foram mantidos em segredo na época e também em nossa contemporaneidade.

Da mesma forma que agora queremos saber a verdadeira história do período militar, sem constrangimentos ou preconceitos, apenas para registro histórico e em nome da verdade, deveríamos querer revisar o ensino da História do Brasil, respeitando a veracidade e a importância dos povos tradicionais na formação do Povo Brasileiro e na ocupação de nosso território. Hoje, essa população indígena não chega a um milhão de seres humanos, mesmo se considerando aqueles habitantes urbanos de grandes metrópoles, que já perderam sua identidade étnica e suas tradições, costumes e crenças. as já foram milhões, a maioria dizimada pelos maus-tratos, pelas doenças trazidas pelos brancos europeus, e pelo contato com a "civilização", promovido pelos sertanistas do antigo SPI e da atual FUNAI.


Mas o inconcebível, o insuportável, o inaceitável, o injustificável é que, nos dias contemporâneos, em uma sociedade que se diz evoluída e que pleiteia uma posição de destaque no cenário mundial, ainda existam tais preconceitos e tal ignorância da população "branca" e de personalidades que deveriam julgar com absoluta imparcialidade e absoluto conhecimento as questões envolvendo povos, culturas, etnias, tradições, culturas, crenças, religiões e, sobretudo, dignidade humana!

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