Há uma imensa confusão conceitual operante no Brasil por parte daqueles que ainda insistem em rotular os movimentos políticos de “esquerda” ou “direita”, “progressista” ou “conservadores”, principalmente dentre os que se recusam a compreender a dimensão do debate sobre a temática da sustentabilidade. Seria correto dizer que “progressista” seriam os partidos que defendem o “progresso”, e conservadores a “conservação”? Se assim for, a bancada ruralista é progressista, e a ambientalista é conservadora? Ou o contrário: progressistas são os que defendem a sustentabilidade (representariam o bem, o justo e o correto), e os conservadores aqueles que defendem as práticas do mercado (o mal, o injusto e o incorreto)? Ora, essa dicotomia só cabe na cabeça daqueles cuja visão bastante reducionista impede de enxergar a complexidade do momento que vivemos.
Na questão do ambientalismo e na constituição da Rede Sustentabilidade, o que se pretende capturar nas suas malhas não são os incautos, mas aqueles que há 30, 40, 50 anos alguns, advogam a inclusão de uma abordagem até então inédita no debate político (e por isso considerados de vanguarda), na qual desenvolvimento humano possa ser sinônimo não da barbárie ambiental, mas sim de um projeto de uso racional dos chamados recursos naturais. Não se trata de um projeto personalista, voltado principalmente para viabilizar uma candidatura presidencial, mas da concretização de um processo que vem lentamente crescendo e ganhando força. A #rede não pretende ocupar o espaço da esquerda (há esquerda no Brasil?). Busca justamente a candidatura alternativa, uma via intermediária, uma terceira opção, como o foi a candidatura de Marina Silva à presidência em 2010.
A ideologia ambientalista passou por diversas fases. Em certo momento histórico foi extremamente biocêntrica, fruto inclusive da popularização da ciência ecologia, que vinha consolidando seus princípios ao longo do século XX. Na época (e esta fase prolongou-se até os anos de 1970) era, inclusive, conhecido como “movimento ecológico”. Por conta de sua forma de argumentação e atuação inicial, configurou um estilo que, para os não especialistas, ou aqueles que não acompanharam a evolução da argumentação e o aprofundamento do debate, perduraria até os dias de hoje: o do ambientalista adepto ao mito do bom selvagem de Rousseau. No entanto, essa visão está superada e só é defendida pelos mais simplistas, quanto à abordagem. Senão vejamos os avanços.
A ONU já organizou quatro conferências internacionais sobre o tema (sem contar os encontros temáticos). Diversos são os tratados assinados por nações que buscam regulamentar a relação da sociedade com o meio ambiente. Há uma agência especial para incentivar os debates e acordos (PNUMA). No Brasil, já são mais de 100 programas de pós-graduação em Ciências Ambientais. Para além das ciências naturais, as ciências humanas, e as exatas e tecnológicas se debruçam sobre o tema. A questão chave que preocupa a todos os pesquisadores diz respeito à tensão entre crise e mudança social, que tem mobilizado uma fatia considerável das ciências sociais na medida em que o ambientalismo se viu obrigado a enfrentar um redirecionamento das instituições estabelecidas, sejam elas nacionais ou supranacionais, no sentido da descentralização das decisões e popularização do processo de formulação de políticas públicas.
Em paralelo, houve o fortalecimento das organizações focadas na temática ambiental. Há um capítulo sobre meio ambiente na constituição brasileira. Bobagem? Brincadeira de românticos rosseuaunianos? Não, senão os demais preceitos constitucionais também o são! Trata-se de política pública incorporada à carta magna como conquista social. Após sua homologação, surgiu um imenso arcabouço jurídico para normatizar as questões ambientais no âmbito nacional.
A economia clássica ganhou novos desafios: há como se pensar em uma economia verde ou em uma economia ecológica? O setor produtivo incorporou a gestão ambiental como fator de diferenciação de mercado. Indicadores ambientais de qualidade passaram a ser meta de multinacionais. Instituições financeiras passaram e exigir garantias ambientais aos projetos que patrocinam. O setor agrícola foi convocado a minimizar seus impactos sobre os ecossistemas, sob pena de não ter seus produtos aceitos no mercado internacional. Tudo isso é devaneio de bons selvagens?
Para avançarmos, é hora de deixar falando sozinhos os amantes da ”técnica” e do “progresso científico” na elaboração de novas sementes e formas de criação de florestas de eucaliptos. Eles acreditam na matemática simplória que calcula impacto ambiental da seguinte forma: as cidades brasileiras ocupam menos de 1% do território nacional, enquanto as áreas de floresta nativa ocupam 61%; conclusão: o Brasil é certamente o país mais preservacionista do planeta. Dá para levar à sério tal argumentação?
Discutir os caminhos para a sustentabilidade é mais do que defender a preservação ambiental. Quantas vezes será preciso dizer isso para que os não-ambientalistas entendam? Luta do bem contra o mal é caricatura superada no movimento ambientalista, mas bordão insistente de seus detratores. Uma nova política, num cenário de crise, se faz mais do que necessária e é esta via que a #rede busca.
Oportunismo político já assistimos quando da criação de alguns partidos recentes. Oportunidade política é que a #rede vem buscar. Vamos nos fingir de cegos ante os 20 milhões de bons selvagens que votaram em Marina Silva? Há algo de diferente nesse fenômeno! Se dermos oportunidade àqueles que estão se ligando à #Rede, quem sabe a discussão séria, multidisciplinar, complexa, sem preconceitos por parte de ambos os lados, sobre o significado de uma sociedade sustentável, como diria Caetano Veloso, “surpreenderá a todos, não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”.
*Zysman Neiman é professor de Ciências Ambientais na UNIFESP, do Programa de Mestrado em Sustentabilidade da UFSCar e do Mestrado em Conservação Ambiental do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).
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