Não pensem que é brincadeira! Abriram-se as portas do manicômio do 3º andar da Funai!
Já não bastavam os desmandos administrativos, os maus tratos com as populações indígenas pela falta de assistência e pelo desleixo com as administrações regionais, o fim dos postos indígenas, a extinção de importantes administrações regionais,a o fim da demarcação de terras indígenas, as enganações para com as expectativas e aspirações dos povos indígenas, as enrolações para com as associações de representação indígena, a falta de vergonha em conceder licenças ambientais sobre impactos em terras indígenas sem a devida consulta aos povos indígenas — não bastava tudo isso, eis que agora a vingança contra lideranças indígenas autênticas, de raiz, desce com toda força sobre uma das maiores personalidades indígenas brasileiras. Megaron-ti, o Megaron Txukarramãe, o grande líder kayapó, que era também um dos mais eficientes e industriosos administradores da Funai.
Megaron Txukarramãe, que dirigiu o Parque Indígena do Xingu entre 1985 e 1989, e vinha dirigindo a Administração Regional da Funai em Colíder, MT, desde 1995, foi demitido, exonerado do cargo sem ao menos ser notificado!
Megaron é um dos mais importantes líderes indígenas dos últimos 30 anos, nascido e criado entre seu povo, os Mebengonkrê, ou Kayapó, que passou boa parte de sua juventude convivendo com os índios do Alto Xingu e com Orlando Villas-Boas.
A experiência administrativa, o traquejo político, o savoir-faire diplomático que Megaron adquiriu nesses anos de exposição como administrador local da Funai o tornaram uma pessoa pronta para alçar cargos superiores, para liderar novas visões, das quais os povos indígenas brasileiros tanto aspiram.
Megaron é um dos homens mais bem preparados para um dia liderar a Funai na sua renovação fundamental. E é o que a Funai mais precisa neste momento: uma renovação fundamental para sair da terrível situação em que se encontra, arrastando-se num processo de desestruturação projetada por indigenistas e antropólogos ilusionistas e anti-rondonianos, frutos do neo-liberalismo antropológico que tomou conta do establishment antropológico brasileiro, e levando consigo a herança vilipendiada de anos de trabalho indigenista, dilacerando deliberadamente as fibras éticas do seu corpo técnico.
Por que Megaron foi demitido? Quase todo mundo sabe por quê, mas os Kayapó querem ter a resposta clara. Será que foi porque ele lidera, junto com Raoni, os protestos indígenas contra a UHE Belo Monte? Será? Ou será porque ele se apresenta como um líder indígena capaz de renovar a Funai?
A resposta, como diz Bob Dylan, está flutuando no vento. Basta ouvi-la.
Eis a carta que os Kayapó escreveram como forma de manifestar seu repúdio a esse ato insano, irresponsável, caudilhesco e narcísico de uma camarilha de ongueiros que tomou conta da Funai nos últimos quatro anos.
É revoltante!
E tudo isso vem junto com mudanças terríveis no Código Florestal e nas normas de licenciamento ambiental. (Em outro post, mais adiante, escreverei meus comentários sobre essas novas normas.)
Para onde irão os índios? O que esperam o governo e as Ongs que dominam a Funai que os índios façam para se manter vivos, para crescer e desenvolver seus potenciais se até o órgão responsável perante o Estado por seu bem-estar os trata do modo arbitrário e reacionário como este que está representado por este ato de exoneração de Megaron.
Não é possível que as coisas continuem como estão. Algo está no ar, e as mudanças eventualmente virão no seu curso.
Fonte: Blog do Mércio
Terça, 1 de novembro de 2011, 20h13 - Fonte: Terra Magazine
felipemilanez@terra.com.br
De São Paulo (SP)
De São Paulo (SP)
Megaron Txucarramãe ou, Mekaron-ti, como se escreve na sua língua, ou "espírito forte", "espírito grande", segundo possíveis traduções para o português, um dos maiores lideres indígenas do Brasil, guerreiro kayapó que é sobrinho do famoso cacique Raoni, foi exonerado do cargo que ocupava na Funai.
A notícia, que tem se espalhado pelas redes sociais, tem provocado revoltas. Principalmente, por ter o aspecto e indícios de retaliação do governo em razão das posições políticas assumidas por Megaron, que é contra Belo Monte e outras barragens que afetam povos indígenas.
Ao se analisar a trajetória de Megaron, é compreensível a incompreensão deste ato da Funai por aqueles que defendem os índios. A atitude do governo tem sido considerado arbitrária para antropólogos. Megaron sempre foi visto como um importante interlocutor com os povos indígenas, várias vezes cotado para assumir a presidência da Funai. Sem ele no órgão, o temor é que a relação conflituosa entre povos indígenas e governo se torne ainda pior. Revoltados, os kayapó ocuparam a sede da Funai em Colíder. Fizeram danças de guerra, expressando revoltas e indignação.
Ao saber da notícia, liguei para Colíder, onde fica a sede da Funai da qual Megaron era coordenador, e também sede do Instituto Raoni. Surpreendido pela notícia de sua exoneração, Megaron me disse, pelo telefone: "Essa decisão foi uma surpresa. Ninguém me informou. Ninguém chegou até mim e para falar o que eu fiz de errado, por que fui exonerado. Simplesmente publicaram a portaria com minha exoneração."
Perguntei a Megaron se, depois da exoneração, ele mudaria sua opinião sobre a construção de Belo Monte.
"Não. Não vou ser a favor de Belo Monte e nenhuma outra construção de barragem. Minha posição é só uma. Pode trazer para mim 100, 200 caminhões de dinheiro. Eu não vou aceitar."
Raoni, traduzido por uma jovem kayapó, falou: "Não gostei dessa decisão que o presidente tomou. Vou mandar uma carta para o ministro e se o ministro não atender, nós vamos para Brasília. Vou juntar meu povo, e vamos para Brasília protestar."
Sobre a exoneração, Marina Villas Bôas, viúva de Orlando e que viu Megaron crescer, afirmou: "Acompanhei o Orlando instruindo as atuais lideranças do Xingu. Megaron era uma delas. E não faz sentido, depois de anos em que ele defende os índios, ser afastado da Funai, o órgão que deveria defender os índios".
Noel Villas Bôas, filho de Orlando, foi ainda mais crítico: "Lamentavelmente, o senhor Márcio Meira demonstra total incapacidade para ocupar o cargo de presidente da Funai. Consegue, em pouco tempo, destruir o que demorou 100 anos para ser consolidado na política indigenista."
A Funai não se manifestou sobre a exoneração.
Abaixo, carta distribuída pelas lideranças indígenas do povo Mebengokre (autodenominação dos kayapó) contrárias à exoneração.
CARTA DE REPÚDIO AO PRESIDENTE DA FUNAI MARCIO MEIRA
Nós, povo Mebengokre (Kayapó), tornamos público que repudiamos a portaria FUNAI/DPDS nº 55, publicado no dia 28 de Outubro de 2011, que exonerou o Sr. Megaron Txucarramãe do Cargo de Coordenador Regional da FUNAI de Colider-MT.
Tendo em vista que a Funai não apresentou qualquer justificativa para a tomada deste ato extremo, nós, indígenas liderados pelo Cacique Raoni, entendemos que não há motivos para esta decisão, que consideramos arbitrária e contra os princípios do estado democrático. Megaron Txucarramãe vem lutando, há décadas, em defesa do seu povo, de forma digna, sem nunca ter cometido alguma ilegalidade, e sempre respeitado a Constituição Federal.
Informamos que o Sr Megaron Txucarramãe, no exercício de sua função como Coordenador Regional, desde a criação da Coordenadoria Regional da Funai de Colider-MT, oferece todas as assistências junto a nós povos indígenas Mebengokré e outras etnias como Panará, Kaiabi, Apiaká, Tapayuna, Juruna, Trumai, Terena e Guarani, jurisdicionadas a referida Coordenação Regional, assistências estas como a preservação, conservação e proteção territorial e ambiental das nossas terras e recursos naturais nelas existentes, bem como impedir atividades como invasão de madeireiros, garimpeiros e demais empreendimentos que colocam em risco os nossos territórios entre outros. O Sr Megaron Txucarramãe é funcionário de carreira da FUNAI desde 1971.
Mais do que as obrigações legais, Megaron ajuda a todos nos, indígenas, a sobreviverem, fisica e culturamente, em um ambiente cada vez mais contrário aos índios. Informamos ainda que o Sr. Megaron vem lutando há anos pelo respeito aos direitos dos povos indígenas, de nossas culturas e de nossas terras, direitos estes garantidos na Constituição Federal 1988 no artigo 231 e 232 e demais legislações internacionais dos quais o Brasil é signatário. Por este motivo, pela defesa que Megaron faz dos índios, e pela posição do governo brasileiro, consideramos essa exoneração como perseguição política e pessoal para desestabilizar a união e confiança pelo qual ele representa junto aos povos indígenas.
A comunidade indígena esta revoltada e indignada com essa arbitrariedade. A FUNAI não tem conseguido representar nem defender os índios, e agora, exonera um índio que, dentro da FUNAI, defendia os índios. Prova dessa insatisfação geral é que várias nações indígenas estão se manifestando contra essa decisão da FUNAI.
Nós indígenas queremos uma resposta sobre o motivo dessa exoneração. Queremos que sejam dados motivos públicos, esclarecida a razão pela qual esta decisão foi tomada. Será que essa decisão foi tomada em razão da luta de Megaron Txucarramãe, do seu trabalho para organizar e prover autonomia ao seu povo e aos povos? Em assumir uma posição de lutar em defesa do seu povo contra a construção de barragens, como por exemplo, a do coração da Amazônia, que afetará os territórios indígenas Kururuzinho, Munduruku e Apiaka? Defender o território indígena, lutando pela demarcação e preservação dessas áreas? Ou pelo motivo de Megaron Txucarramãe ser um guerreiro, que não se corrompe por ter orgulho de ser índio?
Por estes motivos, em razão da truculência, da ilegalidade do ato, da falta de motivos, do evidente preconceito que está contido no decreto de exoneração, nosso povo requer a revogação dessa Portaria. Queremos e pedimos que Megaron Txucarramãe continue a frente do cargo de Coordenador Regional de Colider-MT, por entender que ele é a pessoa mais apropriada para defender e lutar por nossos interesses e direitos, como sempre vem realizando, sem medir nenhum esforço para realização dessas ações. Lembre-se da história de luta e de vida que tem o senhor Megaron Txucarramãe, sucessor do Cacique Raoni, desde a década de 60 acompanhado dos irmãos Villas Boas na criação da Terra Indígena do Xingu, entre outras lutas para a defesa da sobrevivência de todas as populações indígenas do Brasil.
POVO MEBEGNOKRE, 01 de novembro de 2011
Felipe Milanez é jornalista e advogado, mestre em ciência política pela Universidade de Toulouse, França. Foi editor da revista Brasil Indígena, da Funai, e da revista National Geographic Brasil, trabalhos nos quais se especializou em admirar e respeitar o Brasil profundo e multiétnico.
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