quarta-feira, 26 de outubro de 2011

As Trapalhadas do Poder Público

Sou novato em Administração Pública; dediquei minha vida profissional à iniciativa privada, onde trabalhei durante 35 anos, até me aposentar, em 2007. Estava acostumado com a agilidade exigida dos executivos, cujos empregos dependiam de sua competência pessoal e dos resultados que produziam para a Organização, seja no volume de negócios gerados, seja nos lucros produzidos. Um executivo não permanecia no cargo apenas por ter sido contratado, ou pelos seus méritos passados. A competência é algo que deve ser demonstrada permanentemente, todos os dias, em todas as ações, em cada projeto implementado. Assim foram meus dias e assim se delineou minha carreira por tantos anos.

Agora, como "servidor público" é diferente: não preciso demonstrar nada; apenas assinar o ponto e não incomodar ninguém. Não esperam de mim o trabalho realizado, mas minha subserviência ao "sistema". Percebi isso enquanto exercia o cargo de Coordenador Regional da FUNAI em São Gabriel da Cachoeira, durante cinco meses. Acreditando nas boas intenções da instituição, fiz planos, motivei pessoas, desenvolvi relacionamentos com outras instituições e exerci o meu "poder" em conformidade com o cargo que ocupava. Queria mudar o destino dessa gente humilde, os indígenas; tirá-los da dependência de um sistema perverso, praticado pelos seus líderes. É claro que "dei com os burros nágua"!

Já na primeira medida administrativa, tentando substituir um assessor incompetente e desleal, fui barrado pelo presidente, que disse que o cargo "de confiança" não poderia ser "de minha confiança", mas da confiança dele, ou melhor, de outra instituição, a FOIRN ("Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro"), uma organização não-governamental. Eu não poderia exonerar o indígena que iria me assessorar em assuntos tão importantes como o relacionamento com a própria FOIRN! Para maior surpresa, existe um instrumento criado pelo próprio presidente para que esse relacionamento se tornasse efetivo: o Comitê Regional do Rio Negro, um grupo paritário constituído de 7 indígenas e 7 servidores, inclusive o tal assessor, também indígena, o que já elimina o seu caráter paritário.

Durante esses cinco meses encaminhei uma centena e meia de memorandos a Brasília, com diversas finalidades, a maioria sem resposta. Desses, cerca de 35 memorandos tinham por objetivo solicitar providências para viabilizar a gestão administrativa e financeira sob minha responsabilidade. Essenciais! Recebi apenas dez respostas! Outros 25 memorandos foram simplesmente ignorados! Sem resposta! Nem "sim", nem "não"! Apenas o silêncio! Como administrar dessa maneira? Como demonstrar competência, se nos são negados os instrumentos mínimos de gestão? Como superar desafios se nos negam o mínimo exigido?

A base da gestão administrativa e financeira de uma instituição pública está assentada no tripé equipe de licitação (que inclui um pregoeiro), procuradoria federal (que dá legitimidade aos atos de gestão) e legislação pública (que fundamenta os atos de gestão). Portanto, não são as leis o empecilho para se gerir com competência, mas a existência das outras condicionantes. Naquela coordenação regional não havia equipe de licitação habilitada, não possuía um pregoeiro qualificado e não existia uma Procuradoria Federal. Portanto, durante cinco meses administrei uma unidade sem capacidade própria de gestão.

O pior, porém, veio depois de meu pedido de exoneração: mal deixei meu cargo e todas as minhas solicitações passaram a ser atendidas, como num "passe de mágica", pela diretoria da FUNAI! Por que me trataram assim? Por que fui "fritado" publicamente, se o que eu solicitava eram apenas as medidas indispensáveis à gestão pública honesta, transparente, eficiente, ética, impessoal, conforme ditam os cinco princípios básicos da Administração Pública: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade, Eficiência?


Na verdade, eu devassei as práticas antigas do empreguismo, dos favorecimentos pessoais, das vaidades extremas, dos interesses escusos e dos abusos de poder que existiam (e agora voltam a existir). Chego à triste conclusão de que o poder público não depende das leis para ser correto, mas das pessoas que o exercem. E, infelizmente, em grande maioria, as pessoas que buscam o serviço público estão interessadas na ESTABILIDADE NO EMPREGO e no atendimento a INTERESSES PESSOAIS. Onde fica, então, o interesse público da Administração?

"Ora, isso não é de sua conta, João Carlos Figueiredo!"

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