por Marina Silva Presidente, Quinta, 29 de novembro de 2012 às 23:12
Um mundo degradado pelo padrão de desenvolvimento e consumo
As evidências são irrefutáveis e até mesmo os mais entusiastas triunfalistas neoliberais são obrigados a reconhecer que a lógica do sistema, de expansão e crescimento ao infinito, e seu atual modelo de desenvolvimento, baseado na exploração e no consumismo, conduzem a humanidade e as demais espécies vivas a uma catástrofe ambiental sem precedentes. Rapidamente concluímos que “a culpa é do ser humano”. Mas isso não explica tudo!
Segundo Michael Löwy: “Isso porque a humanidade já vive no planeta há algumas dezenas de milhares de anos, desde que apareceu o Homo sapiens, e o problema do aquecimento global, essa acumulação de gases na atmosfera, vem da Revolução Industrial. Começou em meados do século XVIII, quando esses gases foram se acumulando, e se intensificou enormemente nas últimas décadas, as décadas da globalização capitalista neoliberal. Portanto, o culpado dessa história não é o ser humano em geral, mas um modelo específico de desenvolvimento econômico, industrial, moderno, capitalista, globalizado, neoliberal: esse é o responsável pela atual crise ecológica e pela ameaça que pesa sobre a humanidade.” [1]
A superação, portanto, do atual modelo de desenvolvimento coloca-se como o grande desafio da humanidade. Aqueles que se organizam em movimentos sociais e ambientais encontram problemas cada vez maiores, de resoluções cada vez mais complexas, justamente porque não podem ser completamente resolvidos sem que se altere o conjunto do sistema de relações sociais, econômicas e políticas. Nos alerta Manuel Castells : “Nossas sociedades se tornarão cada vez mais ingovernáveis e, em consequência, poderá ocorrer todo tipo de fenômeno – alguns muito perigosos.” [2]
Um programa de transição para o Brasil
No Brasil, por suas características culturais, históricas e pelo quadro de correlação de forças, “não consideramos ser possível realizar o processo de acumulações necessárias sem a articulação de uma fórmula presidencial de governo nacional. Ela deve ser o ponto de irradiação das grandes linhas programáticas que se articulem num Projeto Democrático, Popular e Sustentável. Uma nova forma de governo, que transfira os instrumentos de poder que hoje estão concentrados nas mãos do grande capital para o controle e exercício direto da grande maioria da população.” como bem caracterizou o jovem vereador eleito no Rio de Janeiro, Jefferson Moura. [3]
Nossa jovem democracia ainda se recupera do Golpe de Estado, executado em 1964 por militares e com financiamento e colaboração direta da elite civil insatisfeita com o crescimento das forças populares e dos rumos progressistas do governo de João Goulart, intensificados após o “Plebiscito sobre a forma e o sistema de governo do Brasil”, realizado em 1963. Desde a campanha das “Diretas Já”, o povo brasileiro participou de 6 eleições presidenciais, tendo eleito apenas 4 presidentes diferentes: Collor, FHC, Lula e Dilma. O Partido dos Trabalhadores foi o que melhor canalizou as aspirações populares durante a redemocratização, chegando ao poder em 2002, quando imediatamente deixou claro que seu compromisso maior não seria o de superar o atual sistema, sequer de mudar o padrão de desenvolvimento: a eleição de Sarney para a Presidência do Congresso; a indicação do tucano Henrique Meirelles para o Banco Central; a Reforma da Previdência; a consolidação de uma base aliada com nomes como Maluf e Collor; a opção pelos banqueiros e ruralistas foram mais do que emblemas do que estaria por vir, foram medidas concretas no sentido da manutenção do status quo, desde o início do primeiro mandato de Lula.
Consolidar uma candidatura alternativa à dicotomia PT/PSDB
Da insatisfação com o PT e sua manutenção do padrão de desenvolvimento iniciado pelo PSDB, que agrava a crise ambiental e não resolve os principais problemas sociais, nasceram as candidaturas de Heloísa Helena (2006) e Marina Silva (2010). Apesar de articuladas e apresentadas por partidos de matrizes distintas (PSOL e PV), as duas candidaturas ocuparam o mesmo espaço no imaginário popular e fizeram parte da mesma corrente histórica: ambas representaram e apresentaram alternativas socioeconômicas e políticas para o desenvolvimento de uma sociedade ambientalmente sustentável, economicamente viável e socialmente justa. A resposta a esse chamado foi uma contundente e crescente enxurrada de votos: 7 milhões em 2006 e 20 milhões em 2010! Um enorme potencial político foi acumulado.
A semelhança cada vez maior entre os projetos do PSDB e PT, inclusive no modus operandi baseado na corrupção e no “toma-lá-dá-cá”, desgastou esses dois pólos políticos nacionais, que hoje disputam o mesmo nicho político. Os principais dirigentes do PT estão feridos de morte pelo mensalão, deixando o futuro do partido à mercê de apostas em novas lideranças sem vínculos históricos com as lutas sociais , que provavelmente agravarão as contradições do governo petista diante das expectativas criadas nas massas populares. José Serra e os principais dirigentes tucanos de São Paulo aparentemente foram sepultados pelas urnas paulistanas e estes ainda tem no horizonte a possibilidade de verem outras lideranças nacionais depenadas pelas investigações do mensalão mineiro, entre outras acusações que remetem aos tempos de FHC.
Isso deixa o horizonte ainda mais livre para a consolidação desta alternativa, deste espaço ocupado inicialmente por Heloísa Helena e ampliado por Marina Silva. Não apresentar em 2014 uma candidatura presidencial à altura deste desafio é deixar livre o caminho para que figuras nefastas o ocupem, como Kassab (PSD) e Eduardo Campos (PSB).
É primordial que tenha início imediato uma articulação nacional, que se desdobre em encontros regionais e que lance as bases programáticas para a constituição de uma Frente Demócratica, Popular e Sustentável e, portanto, para a apresentação de uma candidatura presidencial. Paralelamente devemos iniciar imediatamente o processo de construção e legalização de um partido que possa encabeçar esse pólo, visto que o prazo para que essa alternativa tenha cara própria em 2014 está se esgotando: outubro de 2013.
Marina Silva e Heloísa Helena seguem sendo as pessoas mais indicadas para representar este projeto em forma de candidatura. No entanto, hoje, nenhuma das duas está em condições objetivas de fazê-lo. Marina não está filiada a nenhum partido e, após a experiência frustrada no PV, não parece interessada em se aventurar em nenhuma legenda existente, nem sequer no recém fundado PEN, que carrega a ecologia no nome mas já engatinha pelo mesmo caminho oportunista do PSD de Kassab, recrutando parlamentares a esmo, podendo inclusive atrair figuras públicas que poderiam estar conosco. O nome de Heloísa está obstruído no PSOL por um setor daquele partido que parece ter interesses outros que não a consolidação de uma alternativa que lhes escape ao controle, como deixaram claro ao negar apoio a Marina Silva para, em seguida, lançar o “radical” Plínio de Arruda Sampaio, que no segundo turno das eleições municipais paulistanas acabou declamando nas redes sociais e em jornais de grande circulação toda sua simpatia e torcida por José Serra, a quem classificou de “competente”. [4]
Um partido transitório para a transformação
Os prazos exíguos não podem funcionar como justificativa para que deixemos de lado o balanço histórico e o debate sobre o papel dos partidos hoje, muito pelo contrário, devemos ter como bandeira fundamental uma profunda Reforma Política. Neste tema, devemos considerar também a falência do modelo de partido tradicionalmente defendido pelos socialistas, aquele “Partido com P maiúsculo” que se autoproclama o “Estado-Maior da Revolução”, que se entende como a própria substituição do povo por uma pequena vanguarda, que logo muda de nome e função, carcomida pela inevitável burocratização.
O fortalecimento do movimento transpartidário – a Frente que queremos construir – pode caminhar simultaneamente à viabilização de um “braço institucional”, um partido político de novo tipo, transitório, com direção e funcionamento enxutos para que suas instâncias não substituam o movimento ao seu redor, sendo na realidade controlado pelo movimento, da borda para o centro.
A maior parte de nossas energias e o melhor de nossas inspirações e aspirações deve ser empreendido nos movimentos sociais, ambientais, culturais, solidários e libertários. São eles a expressão viva da sociedade, onde se dá a ação direta e onde aprendemos na prática a conviver com as diferenças, que são tão grandes como é a diversidade do povo brasileiro, que é tão grande como são os desafios que temos pela frente.
Este manifesto foi construído por várias mãos, não tem um autor definido e é coletivo, pertencendo a todas e todos que com ele concordem.
[1] http://www.outraspalavras.net/2012/10/30/razoes-e-estrategias-do-ecossocialismo
[2] http://www.outraspalavras.net/2012/11/28/castells-ve-expansao-do-nao-capitalismo
[3] http://www.jeffersonmoura.com.br/index.php/component/content/article/1-artigos/77-eleicoes-2012-e-os-desafios-do-psol.html
[4] http://folha.com/no1170984
As evidências são irrefutáveis e até mesmo os mais entusiastas triunfalistas neoliberais são obrigados a reconhecer que a lógica do sistema, de expansão e crescimento ao infinito, e seu atual modelo de desenvolvimento, baseado na exploração e no consumismo, conduzem a humanidade e as demais espécies vivas a uma catástrofe ambiental sem precedentes. Rapidamente concluímos que “a culpa é do ser humano”. Mas isso não explica tudo!
Segundo Michael Löwy: “Isso porque a humanidade já vive no planeta há algumas dezenas de milhares de anos, desde que apareceu o Homo sapiens, e o problema do aquecimento global, essa acumulação de gases na atmosfera, vem da Revolução Industrial. Começou em meados do século XVIII, quando esses gases foram se acumulando, e se intensificou enormemente nas últimas décadas, as décadas da globalização capitalista neoliberal. Portanto, o culpado dessa história não é o ser humano em geral, mas um modelo específico de desenvolvimento econômico, industrial, moderno, capitalista, globalizado, neoliberal: esse é o responsável pela atual crise ecológica e pela ameaça que pesa sobre a humanidade.” [1]
A superação, portanto, do atual modelo de desenvolvimento coloca-se como o grande desafio da humanidade. Aqueles que se organizam em movimentos sociais e ambientais encontram problemas cada vez maiores, de resoluções cada vez mais complexas, justamente porque não podem ser completamente resolvidos sem que se altere o conjunto do sistema de relações sociais, econômicas e políticas. Nos alerta Manuel Castells : “Nossas sociedades se tornarão cada vez mais ingovernáveis e, em consequência, poderá ocorrer todo tipo de fenômeno – alguns muito perigosos.” [2]
Um programa de transição para o Brasil
No Brasil, por suas características culturais, históricas e pelo quadro de correlação de forças, “não consideramos ser possível realizar o processo de acumulações necessárias sem a articulação de uma fórmula presidencial de governo nacional. Ela deve ser o ponto de irradiação das grandes linhas programáticas que se articulem num Projeto Democrático, Popular e Sustentável. Uma nova forma de governo, que transfira os instrumentos de poder que hoje estão concentrados nas mãos do grande capital para o controle e exercício direto da grande maioria da população.” como bem caracterizou o jovem vereador eleito no Rio de Janeiro, Jefferson Moura. [3]
Nossa jovem democracia ainda se recupera do Golpe de Estado, executado em 1964 por militares e com financiamento e colaboração direta da elite civil insatisfeita com o crescimento das forças populares e dos rumos progressistas do governo de João Goulart, intensificados após o “Plebiscito sobre a forma e o sistema de governo do Brasil”, realizado em 1963. Desde a campanha das “Diretas Já”, o povo brasileiro participou de 6 eleições presidenciais, tendo eleito apenas 4 presidentes diferentes: Collor, FHC, Lula e Dilma. O Partido dos Trabalhadores foi o que melhor canalizou as aspirações populares durante a redemocratização, chegando ao poder em 2002, quando imediatamente deixou claro que seu compromisso maior não seria o de superar o atual sistema, sequer de mudar o padrão de desenvolvimento: a eleição de Sarney para a Presidência do Congresso; a indicação do tucano Henrique Meirelles para o Banco Central; a Reforma da Previdência; a consolidação de uma base aliada com nomes como Maluf e Collor; a opção pelos banqueiros e ruralistas foram mais do que emblemas do que estaria por vir, foram medidas concretas no sentido da manutenção do status quo, desde o início do primeiro mandato de Lula.
Consolidar uma candidatura alternativa à dicotomia PT/PSDB
Da insatisfação com o PT e sua manutenção do padrão de desenvolvimento iniciado pelo PSDB, que agrava a crise ambiental e não resolve os principais problemas sociais, nasceram as candidaturas de Heloísa Helena (2006) e Marina Silva (2010). Apesar de articuladas e apresentadas por partidos de matrizes distintas (PSOL e PV), as duas candidaturas ocuparam o mesmo espaço no imaginário popular e fizeram parte da mesma corrente histórica: ambas representaram e apresentaram alternativas socioeconômicas e políticas para o desenvolvimento de uma sociedade ambientalmente sustentável, economicamente viável e socialmente justa. A resposta a esse chamado foi uma contundente e crescente enxurrada de votos: 7 milhões em 2006 e 20 milhões em 2010! Um enorme potencial político foi acumulado.
A semelhança cada vez maior entre os projetos do PSDB e PT, inclusive no modus operandi baseado na corrupção e no “toma-lá-dá-cá”, desgastou esses dois pólos políticos nacionais, que hoje disputam o mesmo nicho político. Os principais dirigentes do PT estão feridos de morte pelo mensalão, deixando o futuro do partido à mercê de apostas em novas lideranças sem vínculos históricos com as lutas sociais , que provavelmente agravarão as contradições do governo petista diante das expectativas criadas nas massas populares. José Serra e os principais dirigentes tucanos de São Paulo aparentemente foram sepultados pelas urnas paulistanas e estes ainda tem no horizonte a possibilidade de verem outras lideranças nacionais depenadas pelas investigações do mensalão mineiro, entre outras acusações que remetem aos tempos de FHC.
Isso deixa o horizonte ainda mais livre para a consolidação desta alternativa, deste espaço ocupado inicialmente por Heloísa Helena e ampliado por Marina Silva. Não apresentar em 2014 uma candidatura presidencial à altura deste desafio é deixar livre o caminho para que figuras nefastas o ocupem, como Kassab (PSD) e Eduardo Campos (PSB).
É primordial que tenha início imediato uma articulação nacional, que se desdobre em encontros regionais e que lance as bases programáticas para a constituição de uma Frente Demócratica, Popular e Sustentável e, portanto, para a apresentação de uma candidatura presidencial. Paralelamente devemos iniciar imediatamente o processo de construção e legalização de um partido que possa encabeçar esse pólo, visto que o prazo para que essa alternativa tenha cara própria em 2014 está se esgotando: outubro de 2013.
Marina Silva e Heloísa Helena seguem sendo as pessoas mais indicadas para representar este projeto em forma de candidatura. No entanto, hoje, nenhuma das duas está em condições objetivas de fazê-lo. Marina não está filiada a nenhum partido e, após a experiência frustrada no PV, não parece interessada em se aventurar em nenhuma legenda existente, nem sequer no recém fundado PEN, que carrega a ecologia no nome mas já engatinha pelo mesmo caminho oportunista do PSD de Kassab, recrutando parlamentares a esmo, podendo inclusive atrair figuras públicas que poderiam estar conosco. O nome de Heloísa está obstruído no PSOL por um setor daquele partido que parece ter interesses outros que não a consolidação de uma alternativa que lhes escape ao controle, como deixaram claro ao negar apoio a Marina Silva para, em seguida, lançar o “radical” Plínio de Arruda Sampaio, que no segundo turno das eleições municipais paulistanas acabou declamando nas redes sociais e em jornais de grande circulação toda sua simpatia e torcida por José Serra, a quem classificou de “competente”. [4]
Um partido transitório para a transformação
Os prazos exíguos não podem funcionar como justificativa para que deixemos de lado o balanço histórico e o debate sobre o papel dos partidos hoje, muito pelo contrário, devemos ter como bandeira fundamental uma profunda Reforma Política. Neste tema, devemos considerar também a falência do modelo de partido tradicionalmente defendido pelos socialistas, aquele “Partido com P maiúsculo” que se autoproclama o “Estado-Maior da Revolução”, que se entende como a própria substituição do povo por uma pequena vanguarda, que logo muda de nome e função, carcomida pela inevitável burocratização.
O fortalecimento do movimento transpartidário – a Frente que queremos construir – pode caminhar simultaneamente à viabilização de um “braço institucional”, um partido político de novo tipo, transitório, com direção e funcionamento enxutos para que suas instâncias não substituam o movimento ao seu redor, sendo na realidade controlado pelo movimento, da borda para o centro.
A maior parte de nossas energias e o melhor de nossas inspirações e aspirações deve ser empreendido nos movimentos sociais, ambientais, culturais, solidários e libertários. São eles a expressão viva da sociedade, onde se dá a ação direta e onde aprendemos na prática a conviver com as diferenças, que são tão grandes como é a diversidade do povo brasileiro, que é tão grande como são os desafios que temos pela frente.
Este manifesto foi construído por várias mãos, não tem um autor definido e é coletivo, pertencendo a todas e todos que com ele concordem.
[1] http://www.outraspalavras.net/2012/10/30/razoes-e-estrategias-do-ecossocialismo
[2] http://www.outraspalavras.net/2012/11/28/castells-ve-expansao-do-nao-capitalismo
[3] http://www.jeffersonmoura.com.br/index.php/component/content/article/1-artigos/77-eleicoes-2012-e-os-desafios-do-psol.html
[4] http://folha.com/no1170984
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