Este é o tempo em que minorias assumem o protagonismo de suas vidas e, no entanto, mesmo entre essas populações marginalizadas há um tratamento desigual e injusto. Senão, vejamos: enquanto os descendentes das tribos africanas são, no máximo, considerados “quilombolas” e confinados em territórios onde, na maioria das vezes, mal é possível a sobrevivência, os descendentes dos povos tradicionais da América do Sul são tratados como nações independentes, com imensos territórios preservados, legislação específica e generosa e grandes volumes de recursos para estimular sua transição para a sociedade capitalista. Já os afro-descendentes levam anos para conseguir receber seu título de quilombola, e isso é apenas o começo: às vezes são necessários outros tantos anos para que sejam reconhecidos como seres humanos pelos seus algozes, geralmente latifundiários que cercam suas pobres terras confinadas às margens de um rio ou no sertão mais perverso, pela escassez de chuvas. Se os indígenas têm dezenas de ONG´s repletas de recursos estrangeiros para investir em suas tradições seculares, já os quilombolas, deixados à margem de nossa história, sequer sabem o que é uma ONG!
Mas falo aqui dos dilemas da emancipação étnica, e esse dilema não existe em nenhum dos dois casos citados. Quilombolas serão segregados enquanto a cor de sua pele não se dissolver na miscigenação racial, ainda que nas novelas globais os personagens digam o contrário. Já os indígenas, dificilmente aceitariam essa emancipação, pois perderiam as imensas vantagens conquistadas nos processos de demarcação de suas terras. Alegam que precisam dessas terras para pescar e caçar, para mover sua roça pelas campinas ou baixios, ou mesmo pelos terrenos desmatados; ocorre que a cada dia esses indígenas abandonam suas tradições em troca das modernidades, sejam elas boas ou não.
Falo da bacia do Rio Negro, na região conhecida como “Cabeça de Cachorro”. Aqui, as zarabatanas foram substituídas pelas espingardas; a pesca com timbó ou flecha deu lugar às tarrafas, redes, anzóis ou mesmo aos tanques de piscicultura. Nas comunidades, cada vez mais urbanas, as “vantagens” do capitalismo “solidário”: luz elétrica, internet, celular, antenas parabólicas, televisão, novelas que destroem os valores tradicionais desses povos... cachaça, drogas, prostituição, contrabando, crimes hediondos...
Para algumas etnias, a língua escrita ou falada já desapareceu, e eles assimilam uma farsa trazida pelos religiosos salesianos: o nheengatu, uma língua híbrida e simplificada, traduzida dos Tupinambás e imposta aos alunos dos internatos onde sabe-se lá o que se ensinava, além das letras e números... e os filhos da floresta já não acompanham seus pais e se apegam a outras fantasias do consumismo: as roupas e penteados exóticos, a música tecnobrega importada do Pará, as boates onde rolam sexo e drogas...
Nesse “paraíso” no meio da selva amazônica os esgotos correm pelas sarjetas até encontrar um igarapé, deixando seu cheiro fétido pelo caminho; o lixo se acumula a céu aberto a menos de 10 km do centro da cidade; no final da noite, as sarjetas abrigam os embriagados pelo “caxiri” moderno, temperado a cachaça e emborcado sem parcimônia.
Diante desse cenário sem retoques, o que pensar dos líderes que defendem seus interesses acima das sociedades que representam? Aqueles que querem as benesses do capitalismo sem abrir mão das vantagens quase monárquicas de preservar metade da Amazônia para seu deleite, exploração de minérios, extração de madeira, tráfico de drogas, só para citar alguns poucos vícios adquiridos e defendidos à exaustão...
Dilema? Que dilema existiria no (des) conforto dessa (in) decisão?
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