Historicamente, o Brasil tem feito escolhas erradas que nos conduziram, nesses quinhentos anos, à situação de dependência econômica e cultural do mundo desenvolvido. Prova disso é o crescimento fantástico dos países asiáticos do pós-guerra, criando potências emergentes como o Japão, a Coréia, a China e a Índia. Enquanto isso, o Brasil, com um território privilegiado e rico, cresce a passos lentos, mantendo desequilíbrios sociais inaceitáveis e concentrando a riqueza nas mãos de poucos.
Desde os primórdios da colonização, Portugal decidiu que nossa vocação como sistema produtivo seria a lavoura e a pecuária, assim como a mineração. Ou seja, setores primários, de baixo valor agregado, e que determinaram nossa condição de país subdesenvolvido por mais de quatro séculos. Em todo esse período histórico, a exploração de mão-de-obra escrava e semi-escrava permitiu que uma minoria se enriquecesse em detrimento do resto da população, cada vez mais numerosa. Hoje somos quase 200 milhões de habitantes, dos quais 50% vivem em condições precárias ou miseráveis.
O processo econômico se deu em ciclos mais ou menos longos, cujos resultados finais sempre foram nefastos. O primeiro ciclo, extrativista, de exploração do pau brasil, quase acabou com a vegetação costeira do país, a Mata Atlântica, cujos remanescentes hoje representam cerca de 7% da floresta encontrada pelos portugueses. O ciclo extrativista nunca cessou; do pau brasil passou para o ouro, o diamante, a borracha, o petróleo e todo tipo de minérios, e a madeira, que até hoje causa o desmatamento da Amazônia em escala gigantesca e irreversível.
A exploração e exportação de produtos primários foi e continua sendo a grande responsável pela miséria, pelos desequilíbrios sociais, pelos genocídios perpetrados pelos brasileiros a seus povos originários e escravos africanos, e pela nossa constante dependência tecnológica com relação aos países desenvolvidos. Exportamos minérios, madeira, soja, carne bovina, álcool, açúcar, petróleo e importamos produtos eletrônicos, de alta tecnologia. Isso sem falar nos fármacos roubados de nossas florestas, que retornam ao Brasil como produtos químicos e farmacêuticos, de altíssimo valor agregado, patenteados com nossas ervas pelos grandes laboratórios multinacionais.
A cana de açúcar gerou fortunas aos senhores de engenho e miséria e desolação às populações indígenas e escravos africanos. Nossa população de indígenas foi quase totalmente dizimada pela violência dos colonizadores e pelas doenças transmitidas pelos brancos em seus primeiros contatos com esses povos nativos. Dos estimados três milhões de indígenas originais, pertencentes a centenas de etnias, restam hoje menos de 700 mil, grande parte desses já descaracterizados de suas culturas, línguas e tradições.
O cultivo do café aliou-se à cana de açúcar nesse processo de ruptura sócio-cultural, explorando índios e escravos em nome de uma minoria de barões que se enriqueceram às suas custas. O café substituiu a Mata Atlântica na região sudeste, e promoveu a construção das estradas de ferro, cujo traçado obedecia aos interesses desses fazendeiros e não a um planejamento estratégico nacional. A conseqüência disso foi que, com o tempo, essas ferrovias foram substituídas por rodovias e, sucateadas, hoje estão quase extintas .
Ao contrário do que dizem os latifundiários da bancada ruralista, o brasileiro não come soja, não bebe álcool e mal come carne. A maior parte da produção agrícola brasileira, dos grandes empresários do setor, é destinada à exportação. Quem abastece a mesa dos brasileiros é o pequeno produtor, o produtor artesanal, as lavouras familiares, o pescador artesanal; e esses representam 90% dos produtores agrícolas.
Esse modelo exportador torna o país altamente suscetível às crises internacionais por não ter um mercado consumidor interno desenvolvido para assegurar a produção agrícola e industrial, como ocorre com a China. Graças a isso, enquanto crescemos a taxas médias de 3 a 5% ao ano, a China cresceu nas últimas décadas a taxas superiores a 15% ao ano, devendo se tornar a maior potência mundial em muito poucos anos, superando o Japão e os Estados Unidos. Enquanto isso, continuamos sendo o país do futuro!
Se o agronegócio fosse tão bom, com tamanho incentivo fiscal e monetário concedido pelo governo, já seríamos a maior potência mundial. Nossas fronteiras agrícolas quase que duplicaram em duas décadas; o crédito bancário oferece dinheiro a juros inferiores a 12% ao ano para esses latifundiários, enquanto a quase totalidade dos brasileiros paga 6% ao mês para conseguir parcos recursos para sua sobrevivência. Não bastasse essa desigualdade de tratamentos, muitas vezes o governo "perdoa" as dívidas fiscais desses poderosos, enquanto pune rigorosamente o cidadão comum que não consegue pagar seus impostos.
Os usineiros de açúcar e do álcool já tiveram suas dívidas parceladas, sem juros, por décadas, e muitas vezes, mesmo assim, não as pagam, esperando por uma "anistia fiscal" que sempre chega. Com isso, nosso potencial empreendedor fica nas mãos dos poderosos, enquanto os pequenos continuam atrelados a empregos mal remunerados, pouco estimulantes, com baixa exigência de novos conhecimentos e instáveis.
Esse é o retrato de nosso país depois de quatro mandatos (16 anos) de políticas "sociais" do PSDB e do PT. Fernando Henrique disse, ao assumir o poder, que esquecêssemos tudo o que ele disse enquanto intelectual e acadêmico. E assim, penalizou mais uma vez a classe trabalhadora em favor do empresariado. Lula se esqueceu, sem admitir, seus compromissos com os movimentos sociais, e fez acordos espúrios com o agronegócio, privilegiando os latifundiários em detrimento dos trabalhadores rurais, com ou sem terras.
A perspectiva agora é Dilma Roussef, defensora ardorosa e mentora intelectual das políticas do governo Lula; ou José Serra, defensor do empresariado e porta-voz do neo-liberalismo globalizante de FHC; ou então Marina Silva, ambientalista, com uma proposta renovadora de um desenvolvimento sustentável (por mais que eu rejeite essa expressão falaciosa). Cabe aos brasileiros escolher o seu futuro.
Mas não é somente a escolha do mandatário máximo do país que determina esse futuro. Cada parlamentar, em todas as esferas do poder, tem partidcipação ativa nesse processo, e o partido majoritário do Brasil continua sendo o PMDB, um partido sem ideologia, que navega conforme as águas, permanecendo sempre no poder. Existem ainda as forças reacionárias representadas pelos evangélicos e pelos ruralistas latifundiários, que sempre conseguem eleger um número expressivo de parlamentares e dominar as principais comissões da Câmara e do Senado, inviabilizando qualquer mudança progressista e popular.
Infelizmente, nossas políticas desenvolvimentistas, sejam quais forem as forças vencedoras dessas eleições, continuarão equivocadas e na contra-mão da história e do cenário mundial, onde seguiremos desempenhando nosso papel de coadjuvantes, enquanto a China e a Índia assumem a liderança e se tornam os protagonistas dessa comédia humana.
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