segunda-feira, 24 de março de 2014

Água: Recurso Finito

Cachoeira dos Venâncios - Aparados da Serra, RS
ÁGUA! Recurso finito e cada vez mais escasso nos grandes centros. Sempre que uma situação calamitosa acontece, surgem discursos de toda natureza, propondo soluções mirabolantes, investimentos elevados e mais custo para a população. Obras de engenharia sempre trazem muitos votos.

A solução, no entanto, é "simples": cuidar do Planeta, respeitar a Natureza, reduzir o consumo a níveis suportáveis. Sim, parece simples, mas falta um ingrediente essencial: CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA! Infelizmente, a maioria das pessoas ouve frases de efeito do tipo "Água: se economizar não vai faltar" e pensam que por concordar com o "slogan", tudo está resolvido em sua cabeça. Por alguns dias até economizam um pouco. Depois, esquecem e voltam a desperdiçar, pois não se formou a verdadeira Consciência Ecológica que produz mudança de comportamento!

Mas se alguém pensa que termina aí, com uma "Campanha Nacional pela Conscientização do Cidadão", está redondamente enganado! Os interesses pessoais, econômicos, corporativos e setoriais estão acima de qualquer INTERESSE SOCIOAMBIENTAL! Grandes empresas ganham muito dinheiro devastando a Natureza e não farão nada para mudar seu comportamento.

Mudar isso é tarefa para HÉRCULES! Mas ele não está disponível: recolheu-se ao OLIMPO, certo de que a Humanidade não tem conserto... portanto, cabe a nós essa tarefa hercúlea. E começaríamos por restaurar o Código Florestal ao texto original, anterior à RIO+20 de 2012, com todas as suas contradições.

Sim, e precisaríamos de LEIS e PODER para coibir abusos, aplicando multas, confiscando terra e gado, ouro e propriedades de todos que cometessem crimes ambientais. Não existe outra saída, e só pode ser agora, enquanto a Natureza está apenas nos ALERTANDO sobre a catástrofe que se anuncia.

Posso parecer fatalista, arauto do Apocalipse, fanático por Ambientalismo, ou qualquer coisa do gênero. Mas o fato é que as piores previsões de cientistas (não astrólogos!) estão se consumando, e em tempo muito menor do que se esperava.

É bem provável que, já em 2.050, quando estarei completando 100 anos - uma cigana me disse que eu viveria para ver e dizer: "não falei?" - as geleiras do Polo Norte e vizinhanças já serão história, os animais do Ártico terão desaparecido, os esquimós terão alterado radicalmente seu estilo de vida, e, finalmente, algumas cidades litorâneas do Oceano Atlântico terão sucumbido nas águas aquecidas pelo degelo... "aquecidas"? Como assim?

As geleiras do Polo Norte têm um papel importantíssimo para o funcionamento das correntes oceânicas: esse movimento circular contínuo dos oceanos ocorre devido às diferenças de temperatura nos polos, no Equador e zonas tropicais. Com o degelo, as correntes perderão velocidade, tendendo a provocar o desaparecimento da vida nos oceanos, e causando transformações climáticas similares aos períodos glaciais, que já causaram a extinção dos dinossauros.

E por que as cidades costeiras desaparecerão? Simplesmente porque imensos volumes de água que se encontram congelados acima da superfície das águas se incorporarão ao oceano, aumentando seu volume e, consequentemente, elevando os níveis de suas águas em proporções desconhecidas. Isso já aconteceu antes, mas não por intervenção humana, e sim como fenômeno natural.

As Mudanças Climáticas também causarão outra transformação: o Ciclo das Águas será alterado, desequilibrando o clima em todo Planeta. Exemplo? As chuvas abundantes que acontecem sobre a Floresta Amazônica são fruto da evaporação do Oceano Atlântico e do calor emanado pela própria floresta, conhecido como "evapotranspiração", provocando condensação e precipitação.

Se estamos devastando a Amazônia, pressupõe-se que haverá menos árvores para produzir a evapotranspiração e, consequentemente, menos chuvas na floresta residual. E isso provocará novas mudanças, pois essa evaporação da floresta alimenta as geleiras dos Andes que, por sua vez, no degelo do verão, formam boa parte dos rios amazônicos, e também causam as chuvas nas regiões sul e sudeste do Brasil, na Argentina e no Uruguai. Tudo isso se reduzirá.

O Brasil possui cerca de 12% de toda água potável do Planeta, em águas subterrâneas (lençol freático), rios, lagos, pantanais e reservatórios. Mas esse processo perverso irá reduzir drasticamente nossas reservas e, por consequência, a produtividade das lavouras. Se rios secam, de onde virá a água que abastece o homem?

Peço-lhes que me respondam a essa indagação...

domingo, 16 de março de 2014

POLÍTICA COMO ARENA DE DISPUTAS IDEOLÓGICAS

O povo, sem cultura, é como o gado, que precisa do boiadeiro para conduzi-lo.
Ano de eleições. Muitos já chegam à disputa com a mente decidida, com candidato escolhido, com um partido político que mais parece uma religião, tantos são os "dogmas" a que precisam se submeter. Esses não têm escolha, e apenas referendam a votação de eleições passadas, sem refletir se o que foi feito correspondeu às suas expectativas e cumpriu as promessas de campanha e está em conformidade com o ideário do partido político ao qual se filiaram. Como nas religiões, sua opinião não tem valor, pois são induzidos a escolher os candidatos que lhes foram impostos, acatando as decisões previamente tomadas, sem discussão. Outros nem candidatos têm, e esperam alguma sugestão de amigos, ou pedidos de candidatos em troca de um "agrado" qualquer. Alguns não têm sequer noção da importância do voto...

Em nosso país, as eleições se tornaram referendo e não escolha. Duas facções se formaram, com o entulho ideológico do passado, imersos nas mesmas acusações e promessas, sem criatividade, sem idealismo, sem vontade de transformar o nosso pequeno universo em um lugar melhor para se viver. Até mesmo os slogans das empresas de marketing político não se renovam, e o cenário apresentado nos horários eleitorais é sempre o mesmo, reproduzindo frases já ditas à exaustão nos últimos trinta anos de vida "democrática". Seria essa a República de Platão ou a Democracia de Atenas?

Apesar dos vários candidatos, as discussões são estéreis e infundadas. Prevalece a mentira, a hipocrisia, a falsidade... curioso é que mesmo os partidos de esquerda, que deveriam aceitar o debate, pois a "Dialética" faz parte do ideário comunista e de seu Método de Reflexão, se recusam a provocar as discussões de temas "sensíveis". Ninguém quer se expor demais para não "perder a carona"! A causa disso tudo é que os partidos se misturaram, perderam a identidade! Restou apenas uma paisagem enevoada na qual não se distingue as nuances e as ideologias ali representadas.

Neste momento crítico de nossa vida política, como cidadãos, deveríamos estar discutindo programas de partidos, plataformas eleitorais, propostas setoriais, debates sobre temas que nos dizem respeito. No entanto, discute-se migalhas de pensamentos. É mais importante falar das tolices ditas no STF do que debater a crise de nossa política interna e a situação internacional. Nunca houve tanto assunto a ser discutido, e apenas o que veremos são caras de idiotas prometendo fazer isso ou aquilo, as mesmas coisas que já disseram anos a fio... tipo assim: "A Educação é a prioridade de nosso governo!"ou "Venha para o nosso Partidoe participe dos debates sobre a emancipação da Mulher Brasileira!"

Como esperar que algo mude nesse país, se as pessoas são as mesmas, as regras são as mesmas, os partidos são os mesmos e os métodos de aliciamento, infelizmente, também são os mesmos? "Nada de novo no front"! Com essa declaração os repórteres começavam o dia na Segunda Guerra Mundial, quando meses se passavam sem novidades, a não ser a tragédia das milhões de mortes que se acumulavam na consciência humana... pois diremos o mesmo: "Nada de novo na política brasileira"! Porque os atores repetem a mesma peça teatral, cansada e desinteressante, dos candidatos se alternando na tela da TV, pronunciando promessas ou acusações desprovidas de sentido, apenando para a emoção ou incitando ao ódio, ou ainda fazendo denúncias, com ou sem fundamento, mas que nada têm a ver com o processo de seleção em que ele é o candidato e o eleitor é a banca examinadora! Poucos percebem isso!

E assim, com votos de cabresto, votos de analfabetos (integrais ou funcionais), votos de "amizade" ou votos de submissão messiânica a um partido político, cem milhões de brasileiros despreparados escolherão o mandatário supremo da Nação, além de senadores e deputados, representantes "legítimos" de nossa vontade política. Com um processo dessa natureza, como esperar que, nos próximos quatro anos, alguma coisa irá mudar nesse país? Então surgem as temerosas "fórmulas mágicas": -militares no poder! -constituinte já! -voto distrital misto! -financiamento público de campanha! -fim das reeleições! -parlamentarismo! -fim das alianças políticas! -fim do voto eletrônico!

Cada um traz seus palpites, irresponsáveis e infelizes, acreditando que o problema do Brasil é de cunho institucional. Não é. Se um povo é politicamente preparado, qualquer sistema de governo funciona razoavelmente. Não é o nosso caso, com certeza! Outros ainda trazem aqueles "bordões" já rustidos e desqualificados: "o que falta ao brasileiro é Educação, é Saúde, é Transporte, é Cultura, é blábláblá..." Sim, é tudo isso, mas não é nada disso, pois o que significa ter cada uma dessas áreas priorizadas, se carecemos de Honestidade, de Ética, de Solidariedade, de Respeito?

Precisamos de um povo que compreenda o sentido de NAÇÃO BRASILEIRA! Que saiba respeitar os valores éticos da sociedade, mas que também saiba o valor de sua Terra, ou melhor, que compreenda o conceito mais complexo de TERRITORIALIDADE! Que tenha o entendimento de que o espaço físico de um povo não pertence a ninguém. Que os recursos naturais da Humanidade são finitos e que cada um de nós é responsável por preservá-los para as próximas gerações. Que ser Cidadão é muito mais do que obedecer às leis e às regras sociais, mas é, sobretudo, respeitar o OUTRO, ser justo, condescendente, solidário, generoso, humilde, honesto, altruísta, idealista... sim, porque só um povo que tem respeito pelo outro é capaz de construir uma Nação. Pátria é um conceito simplório...

Finalmente, mas não menos importante, é compreender que FAZER POLÍTICA é atuar numa arena onde as idéias podem ser discutidas sem ofensas e sem mágoas, que cada um tem o direito de pensar diferente, desde que seus proósitos atendam àqueles valores mencionados, que fazer política é dialogar mais do que discutir, buscar o consenso mais do que vencer por maioria, comprender o outro lado mais do que impor sua vontade. A arena política pode chegar a "ferver" de emoção e "fervilhar"de idéias contraditórias ou complementares. O que não pode acontecer é a imposição de uma vontade sobre as demais pelo poder político, econômico, religioso ou social. Não é nada fácil...

Impactos do golpe de 64 [publicado pela revista "Carta Capital" - Especial - 50 anos do golpe]

"Em um sábado de visitas na Casa de Detenção, desci para o pátio e não encontrei minha mãe. Ela estava escondida, chorando. Esta ferida eu guardo para sempre"
Em pé, da esq. para a dir., Ariston Oliveira Lucena, Gilberto Luciano Beloque, Paulo de Tarso Vannuchi, José Genoino Neto e Manoel Cyrillo de Oliveira Netto; sentados, Ozeas Duarte de Oliveira, Aton Fon Filho, Reinaldo Morano Filho, Celso Antunes Horta e Hamilton Pereira da Silva. A foto foi tirada por Reynaldo Morano, pai do autor do texto, em 1975, no pátio do Presídio Político do Barro Branco, em São Paulo



por Reinaldo Morano Filho — publicado 16/03/2014 00:13

Foi uma cena daquelas que nunca somem da memória: a “marcha da família com Deus pela liberdade” na Taquaritinga dos idos de 1964. Era meados de abril e, por isso, uma espécie de “marcha da vitória” dos golpistas – e não como as de São Paulo e Rio, por exemplo, durante a conspiração para a derrubada do presidente João Goulart.

Foi no começo da noite e eu assisti em pé, num canto mais escondido da calçada, dois quarteirões acima da casa da família e estúdio de fotografia do meu pai, na Rua do Comércio, a principal da cidade. Eu tinha 18 anos e, naquela hora, o coração em um grande aperto.

Dois anos antes, no evento de fundação da União Taquaritinguense dos Estudantes – estudantes secundaristas –, eu tinha tido o meu momento “estrada de Damasco”, patrocinado pelo então promotor de Justiça da cidade, Dr. Ewerson Soares Pinto: sem mais nem menos e publicamente, em seu discurso, ele fez por desancar meu anticomunismo pueril. E me obrigou a repensar crenças e escolhas!

Vivi intensamente minha cidade, sou um caipira para toda a vida. Fiz tudo o que cabia fazer. E me engajei no caudal de esperança pelas reformas de base que varreu o Brasil naqueles anos.

Desde logo, os golpistas não deixaram dúvida a que vinham: a revogação a toque de caixa de todos os decretos que incomodavam os Estados Unidos, os grandes latifundiários, os grandes capitalistas, simultaneamente a dezenas de cassações de mandatos, centenas de prisões, milhares de demissões, torturas, assassinatos, uma perseguição generalizada aos que se opunham ao golpe, englobados nas categorias de comunistas, criptocomunistas oupelegocomunistas, se sindicalistas. E era só o começo.

Em Taquaritinga, eu trabalhava no Banco do Brasil desde o ano anterior, e a posse no banco tinha sido meu presente dos 18 anos. Depois do golpe, houve a visita de um inspetor do banco para a identificação de funcionários subversivos. Ficou na ameaça e no medo que a acompanhou.

No ano seguinte me mudei para São Paulo e trouxe junto o posto de trabalho no banco. Iniciei o cursinho para o vestibular de Medicina e transferi o curso de Direito do interior para a PUC-SP.

Em 1966, entrei na Medicina da USP; e de cabeça na militância contra a ditadura. Para tanto, lá estava o Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, grande escola de vida. Costumo dizer que os primeiros anos da Medicina me transformaram: tal qual o Aureliano Buendia ao ser levado pelo pai a conhecer o gelo, também eu não consigo me esquecer do dia em que fui apresentado à mais-valia. E à dialética.

De quebra, nos assuntos da alma, entrei na faculdade um militante “vidas secas” e saí de lá um militante “grande sertão: veredas”, com direito até a um Diadorim, o colega Antonio Carlos Cabral, heroi da história recente do Brasil, assassinado pela ditadura em abril de 1972; além de ter o Riobaldo, com seu viver é perigoso, entronizado como meu filósofo de vida.

Fui preso três vezes: em setembro de 1966 (como participante do 19ª Congresso da União Estadual dos Estudantes, em S.Bernardo do Campo-SP), por 3 dias; em outubro de 1968 (no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna-SP), por exatos 2 meses – nos dois casos como representante eleito pelos colegas da Medicina; e de agosto de 1970 a março de 1977, durante 6 anos, 6 meses e 25 dias, como militante da Ação Libertadora Nacional. Bastante tempo. Na sequência, mais 2 anos de livramento condicional, num regime muito draconiano. Tudo para, ao final, ver a pena reduzida no Superior Tribunal Militar a 2 anos!

(A propósito, em tempos de Comissão da Verdade, quando os melífluos de sempre falam em “apurar os dois lados”, um pequeno dado: em outubro de 1975, fui um dos presos recolhidos no Presídio Político do Barro Branco a assinar a Carta ao Presidente do Conselho Federal da OAB. [Dos presos políticos brasileiros. Lisboa : Edições Maria da Fonte, 1976.] Em relação aos 35 signatários, todos detidos de modo irregular, todos sobreviventes a torturas e todos condenados à prisão, além da suspensão de direitos políticos por 10 anos, as penas a que estávamos condenados em primeira instância chegavam a 82 anos, e a média era de 12 anos).

Dois registros: primeiro, num sábado de visitas na Casa de Detenção, descer para o pátio sabendo que minha mãe estaria lá e não a encontrar no conhecido banco de madeira. Procurá-la e finalmente encontrá-la escondida atrás de um pilar, chorando baixinho. Uma ferida no coração que deixa marca para sempre.

Segundo, já no Barro Branco, a visita do sr. Majer Kucinski em busca de informações sobre sua filha, Ana Rosa, sequestrada em abril de 1974 com o marido, Wilson Silva, ambos ainda desaparecidos. Um dos momentos mais tristes de todos os anos passados na cadeia.

Em 1977 voltei para a Faculdade de Medicina e trouxe na alma um colorido cinza. Ia fazer Pediatria, mudei para Psiquiatria. Mas isso não foi suficiente para dar conta da vivência do desamparo abissal da tortura, das marcas da dolorosa solidão do pau de arara, do testemunho do sofrimento dos torturados, do assassinato de companheiros. Busquei ajuda da Psicanálise. Foram muitos anos de análise pessoal. E me tornei psicanalista. Mas o cinza não saiu mais!

Ao mesmo tempo, não larguei mais a dialética na busca de compreender o mundo, a vida, a mente. Nem desisti da luta por um mundo sem miséria, sem exploração e sem guerras.

Enquanto escrevia, pensei muito no Ariston Lucena. Durante anos compusemos uma dupla imbatível nas lides da lavação de pratos no Barro Branco. Mas os impactos da ditadura na minha vida foram pequenos quando comparados aos sofridos por ele: seu pai, Raimundo, foi assassinado pela repressão; sua mãe, Damaris, presa e torturada, presos também seus irmãos menores, depois todos trocados pelo cônsul japonês e banidos do Brasil, indo viver no exílio. Alvo da sanha do coronel Erasmo Dias – o mesmo da invasão da PUC de São Paulo –, Ariston foi muito torturado, incluindo a simulação de fuzilamento à beira de uma cova aberta no Vale do Ribeira. Condenado à pena de morte, comutada para perpétua, acabou saindo da prisão com a anistia, depois de 10 anos encarcerado. Herói do povo brasileiro, morreu em maio do ano passado, aos 62 anos de idade.

*Reinaldo Morano Filho é psiquiatra e lutou contra a ditadura como guerrilheiro de Ação Libertadora Nacional. Este texto faz parte de uma série de artigos que o site de CartaCapital publica sobre os 50 anos do golpe-civil militar de 1964