sábado, 25 de janeiro de 2014

Operação Desintrusão da Terra Indígena AWÁ

A Terra Indígena Awá está permeada de "clareiras" provocadas pelo desmatamento e pela implantação de fazendas de gado por latifundiários e posseiros
Os indígenas da etnia AWA-GUAJÁ habitam, há décadas, a região amazônica do Maranhão, nas imediações do rio Gurupi, sendo os remanescentes de povos caçadores e coletores do Brasil. Sua população é reduzida, fruto de anos de violências praticadas por invasores "brancos": madeireiras, fazendeiros (pecuaristas e plantadores de soja) e posseiros (pequenos agricultores). Além da violência, as doenças trazidas pelos invasores quase dizimaram a população aldeada (Juriti) e reduziram drasticamente os povos nômades, privados de sua fonte de alimentos. Sua população é estimada hoje em menos de 400 habitantes."Os Guajá se autodenominam Awá, termo que significa "homem", "pessoa", ou "gente". As origens deste povo são obscuras, porém acredita-se que seja originário do baixo rio Tocantins no estado do Pará. Formavam, provavelmente junto aos Ka’apor, Tembé e Guajajara (Tenetehara), um conjunto maior, da família lingüística Tupi-Guarani naquela região (Gomes 1988, 1989 & 1991; Balée 1994)."

"Na medida em que a expansão colonial foi exercendo uma pressão sobre estes grupos indígenas, houve uma dispersão dos mesmos. Acredita-se que a partir do conflito da Cabanagem, em torno de 1835-1840, este conjunto iniciou uma migração no sentido leste, rumo ao Maranhão. É provável que por volta de 1950 todos os Guajá já estivessem vivendo neste estado, no lado leste do rio Gurupi (Gomes 1989 & 1991)." (Fonte: Povos Indígenas do Brasil - Instituto Socioambiental - ISA)
Depois da demarcação da Terra Indígena Awá pela FUNAI, grandes latifundiários se instalaram em seu interior, devastando a floresta para criar gado 

A Floresta original era densa e povoada por milhares de espécies vegetais e animais, que abrigavam sua população nômade de Awá-Guajá
O uso de helicópteros da FAB e do INCRA assegurou o êxito da Operação Awá na localização de ocupantes (mais de 400) e em sua notificação judicial
“Os Guajá, autodenominados Awá, constituem o último grupo isolado do Maranhão e um dos últimos nômades do país. Ao se instalarem, no século passado, nos vales dos rios Turiaçu, Pindaré e Gurupi, os Awá passaram a dividir um mesmo território com os Guajajara, que já habitavam essa região. Desde a instalação do primeiro posto do SPI na região, os Awá passaram a ser oficialmente conhecidos e alvo de tentativas de pacificação.”

“A primeira tentativa de reconhecimento e proteção do território Awá se deu em 1961 com a criação da Reserva Florestal do Gurupi. Um dos artigos do decreto ordenava o respeito às terras dos índios ali encontrados. Apesar deste reconhecimento, somente em 1977 a FUNAI e o IBDF trataram de delimitar os territórios que caberiam aos índios. No entanto, a terra Awá não foi proposta na ocasião, provavelmente em razão do estado de isolamento dos índios.”

“Os estudos efetivos para a Terra Indígena Awá começaram em 1985 e foram concluídos em 1991. A Terra Indígena Awá confronta-se com a reserva Biológica do Gurupi, criada pelo Decreto n° 95.614, de 12.01.1988.”

“Ocupação por não-índios: O levantamento fundiário realizado pela FUNAI, INCRA e pelo Instituto Fundiário do Amazonas - IFAM, contatou a presença de 213 (duzentos e treze) ocupantes com benfeitorias passíveis de indenização, a depender do julgamento da Comissão de Sindicância acerca da boa fé na implantação das mesmas. De acordo com o relatório fundiário, diversos ocupantes não permitiriam e/ou se negaram a prestar informações para o preenchimento dos laudos de vistoria.” (Fonte:FUNAI – Fundação Nacional do Índio)
No início de janeiro, diversas instituições federais se deslocaram para a cidade de São João do Caru, no Maranhão, a cerca de 20 km da TI Awá, para executar a ordem judicial de retirada dos invasores do território indígena. Participam da operação: INCRA, FUNAI, Exército, Força Nacional, ICMBio, IBAMA, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, SIPAM, Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, ABIN e FAB.

Nossa missão é identificar todas as ocupações, notificar seus ocupantes, dando-lhes prazo de 40 dias para saírem voluntariamente, documentar os impactos sociais e ambientais sobre a população indígena, retirar compulsoriamente os ocupantes que se recusarem a sair e promover ações para a recuperação ambiental da terra indígena afetada pelas invasões.

Todos os pequenos agricultores que ocupam a terra e preenchem os requisitos do INCRA serão beneficiados pela remoção para um assentamento, podendo levar consigo seus bens pessoais (mobiliário, veículos, animais, materiais de construção e safra estocada). Os demais, geralmente latifundiários, não terão direito a qualquer tipo de compensação, uma vez que, além de invadirem terra indígena, causaram desmatamento em cerca de 40% do território, afetando seriamente a caça e comprometendo o habitat dos índios isolados Guajá.

Esse é o relato técnico da operação que está em curso. Por trás desses fatos, existe uma articulação promovida por latifundiários e pela CNA, na figura de sua “presidenta” Kátia Abreu, sempre envolvida em questões de invasão de terras indígenas, desmatamento, criação de gado e plantio de soja. Parece que eles ainda não entenderam que, mesmo com a simpatia da ministra ruralista da Casa Civil, Gleisi HoffMann, pré-candidata ao governo do estado do Paraná, e da “presidenta” Dilma, com quem tem sido vista em eventos oficiais, parece que ela não compreendeu que existem ainda, por incrível que possa parecer, magistrados que não se curvam ao poder do agronegócio e determinam severamente que a lei deve ser cumprida!

“O juiz federal José Carlos do Vale Madeira, responsável pela sentença de desintrusão da Terra Indígena Awá-Guajá, no Maranhão, disse nesta terça-feira que tem pressa que os oficiais de Justiça comecem a notificar os não índios para que desocupem a área. O juiz coordenou uma reunião entre eles e órgãos do governo que participam do processo. Depois de receberem o documento, os posseiros e agricultores têm 40 dias para retirar seus bens e desocupar a região.

“O cumprimento (das notificações) vai depender de questões operacionais e de logística, como o tempo na região para que os helicópteros levantem voo. Estamos estimando que (comece) nos próximos dias, mas temos pressa”, disse. Segundo o juiz, todos os mandados de notificação já foram entregues aos oficiais de Justiça.” (Fonte: Notícias da Terra)

O uso de helicópteros da FAB e do IBAMA assegurou o êxito da Operação Awá na localização de ocupantes (mais de 400) e em sua notificação judicial

Para nós, que lidamos frequentemente com seres humanos, geralmente humildes, fica sempre o dilema da Justiça e da Boa-Fé daqueles que acreditaram nas mentiras do agronegócio e daqueles que se utilizam desses posseiros ingênuos como massa de manobra, fazendo-os acreditar que a terra é livre, podendo ser ocupada por quem quiser ter sua própria lavoura.

Porém, não devemos nos esquecer que os indígenas são as maiores vítimas, tendo sido massacrados durante séculos, seja pela ação de missionários (jesuítas, claretianos, salesianos e, atualmente, pelos evangélicos de todos os matizes e credos), seja pela ação do próprio Estado, interessado em mão de obra escrava (durante o período Colonial), mão de obra barata (durante o regime militar de Vargas e de 1964) e atualmente, quando apenas interessam ao governo como bandeira de uma falsa democracia popular, comprometida com movimentos sociais e étnicos. No entanto, nos dias de hoje os piores inimigos das florestas são os projetos de assentamento implantados ao longo da Transamazônica, que reduziram as áreas de floresta e incentivaram as ações de madeireiras e mineradoras. Belo Monte talvez seja o pior exemplo!

Essa pequena população indígena da etnia Guajá encontra-se espremida, como muitas outras, entre os assentamentos do leste e reservas biológicas degradadas a oeste, fruto da omissão do Estado em proteger seus próprios projetos de preservação ambiental. Lamentavelmente, além da escassez de recursos por parte do governo federal, o ICMBio e o IBAMA vivem, desde sua criação, uma crise de identidade e de falta de colaboração, que inclui as secretarias estaduais e municipais do meio ambiente, comprometidas com a “legalização” de licenças ambientais para empreendimentos de toda natureza: agronegócio, extração de madeira, mineração, construção de hidrelétricas e PCH´s, e tantos outros apoiados pelo governo petista de Dilma Rousseff.

Parece que a “presidenta” ainda não superou suas desavenças com Marina Silva, quando esta era Ministra do Meio Ambiente, e Dilma era Chefe da Casa Civil e “eminência parda” de Lula. Ocorre que os tempos mudaram, o mundo está se conscientizando das mudanças climáticas cada vez mais evidentes nos estudos científicos do clima e de eventos globais recentes.

Tendo participado das ações de desintrusão de Marãiwatsédé, nos quintais de Blairo Maggi, em Mato Grosso, exatamente nessa mesma época, em 2013, lamento constatar que muito pouco foi feito com relação ao resgate do território e à recuperação do meio ambiente degradado. Lá havia uma população muito maior de invasores: cerca de 7.000 pessoas e 100 mil cabeças de gado! E o território estava completamente devastado, e a própria população indígena, cooptada pelos latifundiários, fazia da criação de gado seu novo e único modo de produção.

Aqui, minha expectativa é melhor, pois “apenas” 40% das terras encontram-se devastadas; o resto ainda é uma floresta densa, embora com pouca caça, ameaçada de extinção. A recuperação ambiental passa por fases complexas, desde a identificação de cada área e de seu potencial de resiliência, até as ações de coleta de sementes, plantio, reintrodução de espécies nativas, proteção, monitoramento e controle da caça e, principalmente, fiscalização das fronteiras para evitar que novas invasões inutilizem o esforço de desintrusão.

Todo esse trabalho deverá se estender por quase uma década, até que a floresta volte a ser o que era antes das invasões. Terá, a FUNAI, capacidade de manter ações de longo prazo para que esses objetivos sejam alcançados? As alternâncias de poder político não afetarão essas ações, mudando constantemente o rumo e as estratégias, como vem acontecendo há cem anos, desde a criação do SPI – Serviço de Proteção ao Índio? E se Dilma for reeleita?

Já afirmei que o Brasil tem o privilégio de preservar a maior etnodiversidade do mundo. Mas o fato é que essa diversidade étnica tem sido mantida às custas de muitas concessões e erros intermináveis. Esse governo de Dilma tem se caracterizado por oscilações à direita e à esquerda do espectro político para satisfazer à sua ampla e heterogênea “base de sustentação”. Já afirmamos também, no passado, que FHC cometeu o mesmo equívoco, admitindo que, para governar, seria preciso fazer concessões irreconcilíáveis com sua memória ideológica.

Hoje, vivemos uma situação em que dois blocos de poder se alternam no Planalto, agrupados no núcleo de duas legendas: o PSDB e o PT. Ambos, porém, não detêm o poder, que fica com os mais ladinos, do DEM (ou do PSD), de um lado, e do PMDB, do outro. Esses grilhões políticos impedem qualquer governante de estabelecer uma linha ideológica com seu partido original.

A Operação AWÁ é uma evidência dessa política ardilosa: imposta pelo ilustre Magistrado maranhense, foi “engolida” (mas não assimilada) pela base governante, causando constrangimentos com o poder da famigerada Bancada Ruralista, que vem ditando todas as mudanças na Constituição Federal, desde o Código Florestal, até a regulamentação da exploração de minérios em terras indígenas, passando pela PEC215, que marcará o fim da FUNAI e a orfandade dos indígenas. O que acontecerá com esses povos e com a Amazônia?

A omissão governamental incentivou essas ocupações a ponto de se tornarem pequenas cidades dentro das terras indígenas, interligadas por centenas de vias

As pequenas vitórias das ONG´s ambientalistas e a contundente conversão dos redutos remanescentes de pesquisadores que teimavam em contestar as mudanças climáticas não serão suficientes para reverter esse processo de entropia de nosso planeta, assediado pelas campanhas midiáticas pelo consumismo capitalista, complementado pela superpopulação da Terra, cada vez mais próxima dos limites de sustentabilidade econômica, ambiental e social.

Quem herdará a Terra se ela se extinguir em suas riquezas naturais?

domingo, 19 de janeiro de 2014

Gestão Dilma é a pior da história para o meio ambiente, diz ambientalista

RICARDO MENDONÇA - FOLHA DE SÃO PAULO

O geógrafo Mario Mantovani trabalha há cerca de dez anos como uma espécie de "lobista da natureza" no Congresso Nacional.

Diretor de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ele tenta influenciar os projetos relacionados ao tema e coordena informalmente a chamada Frente Parlamentar Ambientalista, fórum com adesão de 187 dos atuais congressistas para debater assuntos da área em reuniões semanais.

Militante da causa desde 1973, conhecido como um dos mais ativos ambientalistas do país, Mantovani não parece medir palavras para expor suas opiniões.

Diz, por exemplo, que a presidente Dilma Rousseff faz o "pior governo da história" para o meio ambiente. Que a aliada Marina Silva não deveria ter ido para o PSB. Ou que o melhor parceiro dos ambientalistas em Brasília é o deputado Zequinha Sarney, filho do ex-presidente que ostenta alta rejeição fora do Maranhão.

Nesta entrevista ele discorre sobre alguns dos principais problemas ambientais do país e conta que, a exemplo do que já fizeram os fazendeiros, os ambientalistas também irão sentar com todos os candidatos à presidência para listar suas reivindicações. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi o primeiro deles.

Raquel Cunha/Folhapress 
Mario Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, é um dos mais ativos ambientalistas do país

Folha - O ex-ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) disse o assédio dos candidatos à turma do agronegócio nunca foi tão forte e antecipado. O que achou?

Mario Mantovani - É verdade. Acho que o Roberto tem toda a razão quando fala do volume econômico. A situação do Brasil não é boa, a indústria está ruim. Hoje, o que está bombando são as obras públicas, Copa do Mundo e esses eventos, e a indústria da construção. Mas é coisa que circula aqui dentro, o Brasil não faz caixa. E o que a gente viu agora foi que esse dinheiro do agronegócio realmente cresceu muito também. O Brasil está cada vez melhor no agronegócio. E é muito bom isso. Onde está o problema? É que isso é uma commodity. A decisão não é aqui. O valor da commodity é decidido na Bolsa de Chicago, em Nova York. Eles já ficam com o radar ligado, olhando o clima, tudo. E isso cria impacto para todo lugar.

Mas e a política?

Quem está fazendo política em Brasília, como eu faço, vê que não é assim. Esse setor [agrícola] é o que mais tem voto de cabresto ainda. É o que vive especificamente de seus currais eleitorais. É o político de Ribeirão Preto que mantém lá todo um grupo ligado a ele, as cooperativas, tudo isso. Esse pessoal sempre esteve ligado à política partidária. Mas antes era cada feudo para o seu lado. Dessa vez o governo está vendo [o agronegócio] como uma grande força. Vem da luta em torno das mudanças do Código Florestal. Eles [os fazendeiros] se mostraram muito mais eficientes para fazer política do que se mostravam antigamente.

Como foi essa virada?

Os ruralistas acharam um governo que aceitou a chantagem. Até então, essa chantagem se repetia: "Se vocês não fizerem tal coisa, não vai ter comida", diziam. "Se não fizerem isso, o Brasil vai ficar nos rincões". Mas o governo não entrava nisso. O governo dizia: "pare de encher o saco, quem está bancando vocês sou eu."

Com crédito?

Com crédito agrícola. Que nunca foi tão alto como agora. R$ 150 bilhões hoje.

E quando mudou?

Quando o governo precisou refazer essa base eleitoral. Nós tivemos uma baita crise com a base, que foi o mensalão. Qual é o setor mais suscetível e que mais precisa do governo para funcionar? É o setor agrícola. Se não tiver o crédito, não vai para frente. Eles têm direito a isso [ao crédito]. Só que no Brasil não funciona assim, com direitos. Funciona com quem é mais próximo do poder, aí tem menos burocracia. Como o mensalão quebrou as pernas do governo – repare que na base do mensalão não tinha ninguém do meio agrícola, era tudo gente das regiões metropolitanas –, o governo, para refazer a base, buscou os ruralistas. Até então eles não tinham expressão nenhuma. A gente entrou com esses caras em muitas brigas, inclusive sobre o Código Florestal, e eles nunca levaram. Fizemos o Mais Ambiente (programa de cadastro rural), a Lei da Mata Atlântica, a Lei dos Crimes Ambientais, a Lei das Águas e outras. Com alguns deles votando com a gente, inclusive. Mas com a crise do mensalão, quando o governo buscou uma nova frente de apoio, aí começaram as negociações. E aí eles descobriram que poderiam ir avançando.

Dê um exemplo desse avanço. Como é na prática?

Ocorreu no Código Florestal. Eu participei de cada detalhe da tramitação. Então cada vez eles colocavam um bode na sala. "Nós queremos que acabe com a função social da terra". Não dava, o PT não poderia trair assim. "Então exigimos meia função social da terra", diziam. Aí o PT foi fazendo, fazendo, cedendo. E teve o papel do neocomunista Aldo Rebelo (deputado do PC do B-SP), que foi presidente da Câmara, sabia como funcionava a Casa. Eles já tinham conquistado uma coisa em que o governo comeu a maior bola, que foi uma comissão especial para tratar do Código. Com isso, não passaria mais por outras comissões. A Força da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) era muito violenta também, a CNA estava bancando todos os eventos do governo. Então eles avançaram muito.

As disputas não ficaram só sobre o Código, certo?

Eles perceberam a força que tinham no episódio do Código. E aí continuaram as pressões: "queremos mais dinheiro para o crédito", "queremos agora estrada para levar a produção". Então, além de estarmos bancando R$ 150 bilhões de crédito agrícola, você tem dinheiro do governo hoje para fazer infraestrutura, para fazer mais cidades e até algumas insanidades. Exemplo é o caso dos motoristas de caminhão que tinham que descansar de duas em duas horas. Os caras derrubaram isso, porque agora o caminhão de soja tem de sair de Rondônia e bater em Paranaguá (PR) o mais rápido possível. E tem o dinheiro que começa a financiar caminhão, também fora do crédito agrícola. Uma estrutura nova do Brasil.

Mas muito disso é legítimo, não? Qual é o grande problema?

A grande sacanagem é ver tudo isso avançando em cima de área pública. E avançando numa frente na floresta. E conforme avança, uma área fica para trás, vazia. Essa área fica para especulação.

Como isso ocorre?

Vamos pegar na Mata Atlântica. Dos 90% que foram abetos, só 40% tem alguma atividade econômica em cima. O resto é especulação: região metropolitana, expansão das cidades. E muita área abandonada. Qual é o jeito de abandonar? Põe pasto.

Quem conduz isso hoje?

Não são as mesmas oligarquias de antes, as velhas oligarquias. Isso mudou. São as novas oligarquias do crédito. Tem os melhores, como o próprio Blairo [Maggi, produtor de soja e ex-governador do Mato Grosso], que se diz ambientalista. Ele já desafiou os caras: "eu cumpro a lei e faço mais".

Mas é bravata ou é real?

É real. Ele está além da conta. Na reserva legal [parte preservada da mata que toda fazenda precisa ter], ele está acima. E muitas empresas acabaram fazendo isso. Também porque colocaram como ativo: "eu protejo", "eu sou o cara que mais protege". Isso funciona como marketing.

E isso não racha o setor?

Ainda não. Mas vai rachar. E não é uma questão de estar ou não estar do lado dos ambientalistas. É uma tendência, não tem jeito, não volta mais.

Quais são as contas que vocês fazem?

É assim: Dos 860 milhões de quilômetros quadrados que tem o Brasil, há 5,5 milhões de propriedades que dizem que são donas de 560 milhões de hectares. Só que em 60 milhões de hectares é onde está a agricultura. Dentro disso você tem uns 25 ou 30 milhões de soja, 10 de cana, 7 de celulose e vai indo até a abobrinha. E tem 200 milhões de hectares para pasto. Para 200 milhões de bois. Bom, então toda a atividade econômica da agricultura está concentrada aqui: 260 milhões de hectares, somando a plantação e o pasto. Já não é um bom negócio, pois nessa conta dá um boi por hectare. Hoje, para ser uma pecuária boa, você precisa de três bois por hectare. Mas a questão é outra. Se eles têm 560 milhões de hectares e usam 260 milhões, onde está o resto? Cadê os 300 milhões de hectares restantes?

Onde está?

Na mão de especulação. Terras devolutas, Unidades de Conservação, Terras Indígenas. E tem outras coisas que eles não falam. Você tem 30 milhões de hectares para a soja. Se o cara de Chicago descobre que agora vai ter dois bois por hectare e, portanto, vai sobrar 100 milhões de hectares, isso não quer dizer que vai dobrar a produção de soja. Porque se fizer isso, o preço cai. Esse número [30 milhões de hectares para a soja] é contadinho, não vai crescer. As próprias produtoras de semente param de vender. Não vão arriscar. Então, na realidade estamos fazendo a conta mais imbecil. O Brasil fica falando de "uma agricultura que vai produzir alimento para o mundo, nós queremos expandir..." Não vai expandir. Está no limite. Celulose está no limite, cana no limite, soja no limite. Só não está a abobrinha. E desses R$ 150 bilhões do crédito, não chegam R$ 15 bilhões para a agricultura familiar. E mais uma coisa: 80% dos proprietários têm menos de 20% das terras. E 20% têm 80% da terra. Então é essa desigualdade toda. E é essa a bancada que partiu para a chantagem com o governo. E o governo aceitou.

E o dinheiro?

Para ver como funciona eu fui agora lá no Agrishow comprar equipamento. Em 2012, fui com o balão "Veta Dilma" [sobre o Código Florestal] e fizemos um barulho (risos). Agora eu fui comprar. Apareci lá falando que estava precisando comprar colheitadeira de cana, todo o equipamento, caçamba, tudo aquilo. Aí falei: "Como é que assina esse financiamento aí? Minha propriedade tem todos os problemas ambientais, como eu faço?". Sabe qual foi a resposta? "Seus problemas acabaram!" (risos). Disseram: "Você vai receber sua máquina em um ano, vai pagar tanto, esquece o problema [ambiental], Código Florestal... E se você precisar de uma [picape] Amarok aí, para ir quebrando o galho, pode pôr na mesma conta, vai receber na hora". E assim era com Toyota Hilux, tudo. Era uma grande farra do dinheiro. Eu fui de agroboy lá, bota, aquele fivelão no cinto (risos). Os caras não perguntavam quem eu era, nem nada. Tem CPF, faz negócio.

Difícil imaginar que o Brasil deixará de ser fornecedor de produto básico. O que deveria ser feito?

Nós não vamos mudar, deixar de ser um país de commodity. Vai continuar assim, como já era desde 1500. O ciclo do ouro, o ciclo da borracha, o ciclo do café, depois o da cana. Agora tem o da soja. A nossa visão é que agregue nessa commodity a questão ambiental. Então se você comprar uma tonelada de soja do Brasil, você estará levando biodiversidade, porque tem corredor de biodiversidade formado pela APP (Área de Preservação Permanente), tem reserva legal de 20%, está protegendo floresta, tudo isso.

Mas o chinês está preocupado com isso? Vai pagar?

Você tem um mercado maior que o chinês. Para ele tanto faz comprar da Argentina ou o excedente dos Estados Unidos. E a tonelada de soja no Brasil pode custar a mesma coisa. A soja brasileira tem de ser conhecida no mundo. Como foi com o café. O café do Brasil era uma marca, todo mundo sabia que era o melhor por isso ou aquilo. O Brasil precisa pôr uma marca no mundo dizendo "somos produtores de alimento, o celeiro do mundo, mas o celeiro que protege a natureza". O que tem hoje? O que há é uma diplomacia reativa. Como é que o Brasil não leva isso para uma conferência? Poderia dizer "olha o que temos de reserva indígena, olha o que temos de parque".

O que o Brasil fala?

O que a diplomacia fica falando? Fica dizendo assim: "O Brasil não destrói índio". É reativo, percebe? Poderia fazer assim: "Compre tudo o que é feito no Xingu que é para proteger o Xingu. Todos os proprietários lá fizeram a reserva legal e estão fazendo a proteção dos rios com mata, tudo legal". É isso que o Brasil tem. Como eu achei que iria acontecer com o etanol, mas não aconteceu. A Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) fez um trabalho maravilhoso, projetou, foi com escritório lá fora e tudo. O que aconteceu? Murchou. Aqui dentro não teve suporte.

O ex-presidente Lula tratava como prioridade. Pelo menos no discurso, não?

O Lula dava suporte, mas esse governo não deu. Esse governo foi atrás do [petróleo da camada] pré-sal, fez uma aposta que até agora não aconteceu e está aí hoje a conta para ser paga. O que fez a celulose? Perguntaram: "O que é que tem no mundo aí que é bom? É o FSC (Forest Stweardship Council), a certificação florestal? Hoje todo mundo é FSC no Brasil. Falaram assim: "Tem alguma coisa mais para cima que FSC no mundo? Não? Então é isso, somos isso".

As empresas mudaram?

Pegue a Veracel [empresa de celulose], que foi minha inimiga mortal 20 anos atrás, lá no sul da Bahia. Eu fui em audiência lá em que o pessoal dizia "lincha". Hoje a Veracel tem 120 mil hectares protegidos e 90 mil plantados. É muito mais que o necessário. Eles têm o FSC, o melhor do mundo, e estão além da lei [na proteção]. Aí você pega Parque Nacional Monte Pascoal, Parque Nacional do Descobrimento e Parque Nacional do Pau Brasil. Esses três parques não somam 80 mil hectares. Estão abandonados, sem gente. Por que uma empresa mantém 120 mil hectares, não pega fogo, ninguém invade? São 120 mil de mata nativa, mata de primeiríssima qualidade. E os parques do governo, na mesma região, estão cheios de problemas. Por que o governo não consegue proteger? Aí está a prova. O Estado é a coisa mais fácil de detonar. Estão lá os políticos fazendo média, botando família para invadir, movimento de sem terra resolve brigar com o governo e invade, índio resolve brigar e invade o parque. E o governo não tem gente para cuidar.

Fale mais dessa história da Veracel.

Eles tinham fama de terem sido detonadores. Foram. Foi provado. A SOS [Mata Atlântica] pegou os caras lá, abrimos uma ação contra eles. Então o que eles fizeram? "Bom, vamos mudar a imagem". E o governo também teve um papel nisso. Quem financiou? Quem é que falava para os caras que o licenciamento era picareta? O ACM (Antônio Carlos Magalhães, ex-senador e ex-governador da Bahia) dizia assim: "Pode meter o trabalho, vai, faz, aqui quem manda sou eu". Os caras foram nessa, se ferraram. Hoje é da Votorantim. Fibria, como chamam. É nota dez. Eu prefiro trabalhar com a Fibria em qualquer circunstância. Tudo top. Na celulose, todos têm reserva legal, como exigem, todos têm APP. E ajudam nós nas brigas. Tanto que não entraram no debate do Código Florestal com os ruralistas. Claro que não. Se entrar nisso, não certifica. E quem dá o certificado não é o governo, é entidade internacional. Disseram o seguinte para os parceiros deles: "Por que vocês não querem fazer, se nós fizemos?" Aí o pessoal respondeu: "então vocês não entram na briga [pela mudança do Código], porque nós vamos brigar".

Depois de vários anos em queda, o desmatamento voltou a crescer. Qual é a explicação?

É a prova da má gestão. Eu estou há 35 anos em ONG. Não estou em partido nenhum, nunca tive nenhum vínculo. O que eu vejo que aconteceu? Eu digo: para o meio ambiente, este é o pior governo da história. Porque o Lula pelo menos incorporou, colocou a Marina Silva [no ministério do Meio Ambiente], fez avanços. A lei da Mata Atlântica, por exemplo, foi com o Lula. A Dilma simplesmente passou o trator em cima de tudo. Não tinha o desmatamento na Amazônia porque tinha o controle muito maior, toda a fiscalização. Com o desmonte da Dilma nesses anos, mudou. E a projeção de desmatamento é muito maior daqui para a frente. Ela abriu todos os controles. O desastre que a Dilma causou vai ser uma coisa para os próximos 10, 20 anos.

Dê exemplos.

O orçamento do ministério. É o pior. Como é que você quer que o ministério que faz licenciamento trabalhe se você não tem um técnico para análise? Acabou com as Unidades de Conservação, não fez mais nenhuma. A PEC 215 (Proposta de Emenda à Constituição que transfere a competência da União na demarcação das terras indígenas para o Congresso), por exemplo, nasceu dentro do governo. É um baita desgaste. Belo Monte, do jeito que foi encaminhado, é uma bola dividida.

Mas era bom antes? Restrição orçamentária tem em todo lugar.

Sim, mas nunca chegou no nível que tem hoje. E nunca teve tanta demanda como tem hoje. Desde a criação o ministério vinha crescendo, vinha incorporando áreas, passa a cuidar de parques, cresce, faz o Instituto Chico Mendes. O que a Dilma fez foi o inverso. Ela acabou desmontando. Antes traziam recursos, fizeram o controle de satélite que não tinha. A Dilma realmente desmontou. O setor que mais teve contingenciamento foi esse.

E a ministra (Izabella Teixeira)?

É uma técnica. Muito competente como técnica, mas não tem influência política. O Zequinha [Sarney, ex-ministro] sabia negociar. Mesmo o [ex-ministro] José Carlos Carvalho tinha algum suporte. A Marina fazia uma baita representação. Ela peitava, ia para cima, tanto que peitou a própria Dilma. O que vimos é que essa ministra [Izabella] ajudou a fechar a porta, foi botando panos quentes.

Vocês estiveram recentemente com o Aécio, né? Como foi a conversa?

Estivemos. Vamos marcar com o [Eduardo] Campos e também com esse governo. A conversa foi muito boa. Falamos de todas essas dificuldades e outras coisas. O ativo que o PSDB tem é grande. A legislação ambiental brasileira foi quase toda feita pelo [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso, uns 90% foram feitos naquele governo. Dissemos. "Vocês vão rasgar tudo isso por causa desse momento?"

Como ele reagiu?

Reagiu com preocupação. E aí depois nós metralhamos. O governo de Minas Gerais é o campeão da devastação no caso da Mata Atlântica. E por quatro anos seguidos.

O que ocorre por lá?

Carvão, a pior coisa do mundo. E o que é pior: com famílias trabalhando nos fornos. No Jequitinhonha [norte do Estado], que é um dos lugares mais pobres, para uso na siderurgia. Eles usam a mata, transformam em carvão e colocam a família trabalhando sem nenhum registro. É a coisa mais medieval que tem. O cara fala que vai fazer um programa ambiental e vem de um Estado que está liderando na devastação? Aí ele ficou preocupado, disse que iria ver o que estava acontecendo. E não é só lá. O Pará também é do PSDB. Também é problemático, com desmatamento.

E no Congresso, como está o meio ambiente hoje?

Em geral, dá para dizer que o meio ambiente vem tendo cada vez mais adeptos. Esse ano que passou talvez não tanto na questão da biodiversidade, mas na questão dos animais. Pet, essas coisas. Se você pegar nas redes sociais, é um fenômeno. Tem mais pet shop no Brasil hoje do que farmácia. Então tem mais gente ligada à questão de animais. O pessoal do pet em Brasília foi o que mais cresceu. É uma coisa impressionante.

A bancada do cão? (risos)

(risos). É a bancada do pet, acho. No nosso café da manhã semanal da frente ambientalista é a turma que mais tem atividade. É o que mais tem atraído gente.

Como é essa frente ambientalista? Um levantamento recente do jornal "O Estado de S. Paulo" mostrou que muitos deputados aparecem na frente, mas também são da bancada ruralista.

São quase 300 pessoas que já assinaram na frente ambientalista. E não é uma frente ideológica. É uma frente de formação. Então se o parlamentar não está comigo hoje na questão do Código Florestal, ele está na discussão sobre resíduos sólidos. Se o outro não está num tema tal, pode estar na discussão sobre pagamento de serviços ambientais. A questão é saber com quem você pode contar em cada questão. Então temos os grupos de trabalho: o das águas, o dos serviços ambientais, o dos animais, que é hoje o mais animado. E tem muitos no do Código Florestal também, agora acompanhando a implementação.

Os ambientalistas fizeram campanha contra a mudança do Código Florestal e perderam. Se era ruim, por que agora querem a implementação rápida?

Mas tinha coisa boa nele. Nós queremos o CAR (Cadastro Ambiental Rural). Isso vai mostrar quem é quem. Foi a coisa que a CNA foi mais contra. Olha, acho que só teve um momento em que a concentração de terra foi mais desigual que hoje, só na época da capitania hereditária. O maior problema ambiental brasileiro é fundiário. Começa aqui mesmo, em São Paulo, na [represa de] Guarapiranga, em Santo André, na [represa] Billings. Se você pegar aqui, na zona sul [de São Paulo], eu te garanto: 80% das pessoas que moram lá não tem nem documento em cartório, o título. Uma insanidade. O Brasil é completamente irregular. E 90% dessas ocupações foram feitas por políticos. Você sabe, os políticos que fizeram a ocupação em Santo Amaro [bairro da zona sul] são os que mandam aqui em São Paulo hoje, junto com o [prefeito Fernando] Haddad. O maior problema é o fundiário. Então vamos fazer cumprir o Código naquilo que os ruralistas têm maior pavor, que é o controle.

Mas o que se sabe hoje?

Nada.

Como nada? Você sabe quem são os grandes. Você mesmo citou o Blairo Maggi, por exemplo.

Ah, você tem dois ou três. Mas não se sabe os grupos que estão atrás, não sabemos o quem é quem nessas propriedades. E tem um monte de laranja nisso. Então se você tiver o CAR de todas as propriedades, vai saber quem está aonde, como é que está a reserva legal, os limites exatos da propriedade, tudo georreferenciado. Aí você vai saber o tamanho desse Brasil. Como era antes? Tinha a lei que dizia que tinha que tinha que ter reserva legal, mas você não sabia onde nem como. Tinha a lei que dizia que tinha que ter APP, mas não se sabia onde nem como. Agora vamos saber. Quantos proprietários foram beneficiados com a anistia ampla, geral e irrestrita [para desmatamentos feitos antes de 2008] que colocaram no Código? Vamos saber. Quem são eles? Vamos saber. E esses desmatamentos anistiados estão aonde? Vamos saber. Então são elementos para você conhecer e depois entrar na Justiça.

Meio ambiente dá voto?

Nunca deu.

Não é um paradoxo? O tema nunca esteve tão na moda. O apelo está por toda parte, virou marketing das grandes corporações, mesmo as que poluem, está nos discursos de todos os partidos, na mídia, nas escolas...
É, mas ainda não dá voto. O que dá voto? Vai para o cara que faz asfalto, o que dá cesta básica. É o de sempre. A população ainda não tem essa visão sobre meio ambiente. São temas universais. É como a reciclagem: todo mundo é a favor, mas só 2% fazem. Ou saneamento. Todos sabem que cano enterrado não dá voto. Hoje o cara diz "eu fiz um posto de saúde, fiz o hospital regional". Aí você pergunta quantos dos internados nesse novo hospital são por doenças de origem hídrica. Dá 70%. Agora, se fizer um metro de cano, tira sete internações. Mas aí ninguém vê. E é tudo muito recente. Muitos desses ruralistas têm razão quando falam. Eles dizem: "30 anos atrás foi o governo que mandou derrubar [a mata], mandou colonizar". Na cidade também é recente. Trinta anos atrás você não tinha uma lei de uso de solo como tem hoje. Agora tem de ter recuo de frente, de lado, calçada, tudo. Não existia antes. Essas coisas serão cada vez mais exigidas, pois estamos vendo que a cidade fica inviável. Então é muito pouco tempo. Qual é a história do Brasil? Depreda, depreda, depreda. A natureza era uma coisa a ser conquistada, a ser incorporada, nunca teve custo. Esgotou a terra? Abre outra, vai abrindo.

No meio político todo mundo se surpreendeu com a filiação da Marina Silva no PSB após o fracasso da criação da Rede a tempo de disputar em 2014. Entre os ambientalistas também houve surpresa?

Também. Eu não esperava. Eu esperava que ela seguisse firme com a história da Rede e não se entusiasmasse com essa eleição de 2014, que é uma bola dividida. Agora, o que acho que deixou a Marina contrariada é que ocorreu uma baita sacanagem, né? Eles já tinham conseguido as assinaturas [para criar o partido]. Você acha que o Partido Ecológico Nacional conseguiu as assinaturas? O Paulinho [da Força, para criação do Solidariedade]? Então acho que foi uma resposta dela a esse tipo de agressão. No meio, tem gente que gostou [da filiação ao PSB] porque acha que tem de ocupar espaço político. Outros não, como eu. E eu não acho que tem de ter um partido só de meio ambiente. Muito melhor é ter o assunto permeado em todos, PMDB, PSDB, PV, PSOL. O PT tinha um grupo muito bom, mas esvaziou. Mas eu não sei se ela terá tanto ganho quanto teve quando concorreu sozinha.

Quem é melhor parlamentar para tratar de meio ambiente em Brasília hoje?

O Zequinha (Sarney Filho, PV). É o cara mais nota dez com quem eu já trabalhei. E vai se ferrar por causa disso, viu? Porque a base eleitoral dele no Maranhão é onde está o agronegócio hoje. E os caras estão jogando pesado contra ele lá. Pesado mesmo, detonando. Ele vai ter muito problema para se reeleger. O Zequinha... Fiz todas as campanhas contra o pai dele... E é uma coisa impressionante, ele é o meu melhor parceiro lá em Brasília. Desde ministro. Antes até. É o cara mais coerente de Brasília. Eu o conheci antes da Constituição. Na Constituição ele nos apoiou, participou daquele primeiro grupo pequeno, que diziam cabia numa Kombi (risos). E foi aquele grupo que escreveu o capítulo do meio ambiente na Constituição. O cara teve uma vida pautada nesse tema. É por isso que foi ministro, já tinha história.

E no Senado?

Tem gente boa. Você tem o senador de Brasília, o [Rodrigo] Rollemberg (PSB-DF), ele é muito bom. E tinha lá o [Jorge] Viana (PT-AC), né? Mas foi uma das maiores traições que a gente teve, um terror. [Viana foi um dos relatores das mudanças do Código Florestal e, na avaliação dos ambientalistas, atuou em desacordo com os interesses do meio ambiente]

Já acertaram as contas com ele?

Ah, não. Vai ser difícil. Foi terror. Eu mesmo nunca mais falei com ele. E olha que eu converso com todo mundo. Ele traiu. Traiu a Marina até.

E a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO, presidente da CNA), que aparece como porta-voz dos fazendeiros?

Ela é a amiga da presidente, né? Aparecem de mãos dadas. A Kátia é aquela coisa... É o problema pessoal dela. É tudo complicado. Essa mulher tem interesse particular, não é nem interesse corporativo. Eu acho que a bola lá está dividida por lá. Acho que o Roberto Rodrigues, por exemplo, tem uma visão totalmente diferente da dessa mulher. É possível conversar com o Roberto. Com ela, nem pensar, é impossível. E ela tem bala, tem 20 e tantos assessores parlamentares, os melhores jornalistas estão com ela agora, cada dia produzem uma nota. E ela está bem. Bancou o Brasil no Fórum Mundial de Água. Ela tentou colocar aquela tese de que se o Brasil tem APP então todos os países tinham que ter. Nós fomos lá e demos o "Troféu Copo Vazio" para ela (risos). Aí eles ficaram bravos, "quem banca esse estande somos nós". É desse jeito, é ridículo. Então ela está fazendo confronto, não faz diálogo. Todos os posicionamentos dela são agredindo. Muito do que foi o Aldo Rebelo no fim. Aquela conversa "as ONG internacionais", "os que querem impedir o Brasil". Ora, eu não sou ONG internacional.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Pesquisa investiga inovação tecnológica na agricultura orgânica


Agricultores orgânicos procuram compensar a falta de equipamentos específicos para o setor (Feagri/Unicamp)
Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP – A agricultura orgânica tem crescido a taxas elevadas no Brasil. Segundo dados divulgados em 2013 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, o mercado de produtos orgânicos se expande de 15% a 20% ao ano, abastecido por cerca de 90 mil produtores, dos quais aproximadamente 85% são agricultores familiares.
Uma pesquisa, conduzida por Mauro José Andrade Tereso, professor associado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), investigou as condições de trabalho e a inovação tecnológica no setor.
O estudo, apoiado pela FAPESP, contou com a participação de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Unicamp, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
No período de vigência da pesquisa, que se estendeu de maio de 2010 a maio de 2013, foram investigadas 33 Unidades de Produção de Agricultura Orgânica (UPAO) dedicadas prioritariamente ao cultivo de hortaliças. Esse montante representava um terço das UPAOs dedicadas à horticultura certificadas no Estado de São Paulo na data inicial da pesquisa.
Aproximadamente dois terços das UPAOs visitadas eram propriedades familiares, com áreas totais não superiores a 20 hectares e nenhuma dedicando à horticultura mais do que 15 hectares. A maioria contava com área de proteção ambiental e se caracterizava pela grande diversidade de itens produzidos.
Os pesquisadores buscaram mapear as tecnologias empregadas e as demandas, adaptações e inovações tecnológicas, destinadas a minimizar a carga de trabalho e as dificuldades na execução das tarefas e a aumentar a produtividade.
“Como a tecnologia disponível no mercado foi desenvolvida para o modelo convencional de agricultura, os produtores orgânicos são obrigados a adaptar ferramentas e equipamentos e a realizar outras inovações a fim de aumentar a produtividade de seu trabalho”, disse Tereso à Agência FAPESP.
A agricultura convencional, que se difundiu em escala planetária a partir da chamada “revolução verde”, durante as décadas de 1960 e 1970, baseia-se, grosso modo, em: monocultura; uso intensivo de compostos químicos sintéticos para recuperação do solo e controle de pragas; uso de maquinário no processo de produção, do preparo do solo à pós-colheita; uso de sementes geneticamente adaptadas ao modelo de produção; uso de fontes exógenas de energia em relação ao espaço produtivo.
Já a agricultura orgânica, segundo definição do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, é um sistema de produção que exclui amplamente o uso de fertilizantes, pesticidas, reguladores de crescimento e aditivos para a alimentação animal compostos sinteticamente.
Baseia-se também, tanto quanto possível, na rotação de culturas e na utilização de estercos animais, leguminosas, adubação verde, reaproveitamento de materiais orgânicos vindos de fora das propriedades, minerais naturais e controle biológico de pragas para manter a estrutura e a produtividade do solo, fornecer nutrientes para as plantas e controlar insetos, ervas daninhas e outras pragas.
A agricultura orgânica geralmente emprega o cultivo mecânico, retomando antigas práticas agrícolas, porém adaptando-as às modernas tecnologias de produção agropecuária, com o objetivo de aumentar a produtividade com o mínimo de interferência nos ecossistemas.
“Os agricultores orgânicos compensam a ausência de equipamentos concebidos diretamente para eles com a inovação dos processos produtivos e a adoção de novos métodos organizacionais. São também comuns adaptações muito engenhosas dos equipamentos convencionais”, afirmou Tereso.
A diversidade de produtos e de alternativas de vendas também constituem estratégias importantes para os agricultores orgânicos competirem no mercado.
“Nossa pesquisa mostrou que esses agricultores são altamente qualificados, com uma impressionante quantidade de conhecimentos acerca das plantas, do solo, da relação solo-água e de outros tópicos agronômicos. Além disso, trabalham com uma grande diversidade de produtos”, informou Tereso.
“Na agricultura convencional, o agricultor lida muitas vezes com um único tipo de produto, por exemplo, alface ou tomate. Já na agricultura orgânica, é comum os agricultores lidarem com 15, 20, às vezes 60 itens diferentes. Encontramos uma propriedade com mais de 100 itens hortícolas produzidos”, prosseguiu o pesquisador.
Metade dos gestores entrevistados na pesquisa estava na faixa etária dos 40 aos 60 anos. Dois terços tinham mais de dez anos de experiência na atividade agrícola e na própria agricultura orgânica. Vários acumulavam mais de vinte anos de certificação.
Além dos gestores, a maioria dos trabalhadores das UPAOs familiares executava todas as tarefas que compõem os diferentes sistemas de trabalho. As exceções eram as poucas tarefas que requerem muita força física, como a colheita de raízes e tubérculos, realizada apenas por homens, ou atividades que requeriam habilidades específicas, como a preparação de mudas. As especializações laborais surgiram nas operações de máquinas e equipamentos, como tratores e pulverizadores.
Com tal qualificação e diante da ausência de ofertas tecnológicas no mercado, esses agricultores buscam soluções criativas e promovem a inovação no sentido mais estrito da palavra, não apenas trazendo novos aportes tecnológicos para dentro da propriedade, mas desenvolvendo tecnologias muito específicas lá mesmo. “Essa foi uma das conclusões mais interessantes de nossa pesquisa”, comentou Tereso.
Outro diferencial entre os agricultores orgânicos e os agricultores convencionais é que os primeiros buscam diversos nichos de mercado. “Normalmente, o produtor convencional vende para um atravessador e se contenta com isso. Já o produtor orgânico procura explorar várias possibilidades: cooperativas, vendas pela internet, vendas de cestas de produtos, pontos de venda próprios, convênios com restaurantes ou supermercados, enfim, uma gama muito grande de alternativas para escapar dos atravessadores”, disse Tereso.
Muitos desses produtores já criaram embalagens diferenciadas e marcas. E vários também promovem algum tipo de processamento, agregando valor aos seus produtos.
Soluções tecnológicas
Depois do levantamento geral de dados, em uma segunda fase, a pesquisa estudou em profundidade as UPAOs que se destacaram nas várias modalidades da inovação tecnológica. Os pesquisadores observaram o dia-a-dia dos gestores destas propriedades, procurando compreender como a inovação ocorria no interior das UPAOs que administravam. Cada gestor foi acompanhado por pelo menos 40 horas. No total, os pesquisadores somaram quase 400 horas de trabalho de campo nesta segunda fase.
Os produtores orgânicos compensam a ausência de tecnologia disponível na forma de máquinas e equipamentos com o desenvolvimento de soluções tecnológicas na forma de processos, de organização do trabalho e de comercialização de seus produtos.
“O que mais chamou nossa atenção foi a capacidade de os produtores orgânicos encontrarem saídas para driblar a falta de oferta de equipamentos que enfrentam hoje no mercado brasileiro. Quando o mercado passar a oferecer equipamentos específicos para esses profissionais, eles poderão superar em muito a produtividade da agricultura convencional”, disse Tereso.
“O Brasil é hoje o maior produtor de açúcar orgânico do mundo. Em meados da década de 1980, quando iniciou suas atividades, a produtividade da maior empresa do setor era inferior à metade da média nacional. De lá para cá, essa empresa desenvolveu tecnologias próprias (maquinários, equipamentos, novos processos agronômicos, controle biológico de pragas etc.). Hoje, sua produtividade é 80% superior à média nacional. Isso mostra que, quando se conjugam conhecimentos tão abrangentes dos processos produtivos com recursos tecnológicos, a produtividade pode alcançar níveis surpreendentes”, afirmou o pesquisador. 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Onça-pintada pode desaparecer da Mata Atlântica

FONTE: agencia.fapesp.br/18445 Especiais 09/01/2014
De acordo com alerta feito por pesquisadores brasileiros na revista Science, restam no bioma 250 animais adultos distribuídos em oito populações isoladas e apenas 50 estão de fato se reproduzindo (foto: Sandra Cavalcanti/Instituto Pró-Carnívoros)

Por Karina Toledo

Agência FAPESP – A Mata Atlântica está na iminência de perder um de seus mais ilustres habitantes: a onça-pintada (Panthera onca). O alerta foi feito na revista Science, em carta publicada por um grupo de pesquisadores brasileiros membros do Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade (Sisbiota).

“Uma recente reunião de especialistas em vida selvagem concluiu que a Mata Atlântica, que no passado se estendia por toda a costa brasileira e também por parte da Argentina e do Paraguai, pode em breve ser o primeiro bioma tropical a perder seu principal predador, a onça-pintada”, relataram os cientistas na carta.

“Pesquisadores estimaram menos de 250 animais adultos vivos em todo o território, distribuídos em oito populações isoladas. Ainda pior, análises moleculares demonstraram que o tamanho da população efetiva local (número de animais que estão de fato se reproduzindo e deixando descendente, um parâmetro crítico para a manutenção da diversidade genética) está abaixo de 50 animais”, destacaram.

De acordo com Ronaldo Gonçalves Morato, coautor do texto e chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre as causas do declínio estão a perda de habitat resultante do desmatamento e da fragmentação da mata e também a caça. Estima-se que, atualmente, reste apenas entre 7% e 12% da cobertura original da Mata Atlântica.

O impacto do desaparecimento da onça-pintada para o ecossistema local é difícil de prever, mas certamente o saldo será negativo. “Quando um grande predador desaparece, pode haver explosão nas populações de herbívoros, como veados, catetos e queixadas. Em excesso, esses animais acabam consumindo todo o sub-bosque da floresta e isso implica em perda da capacidade de recomposição e perda de estoque de carbono. Em longo prazo, pode levar à quebra da dinâmica da floresta”, avaliou Morato.

Pedro Manoel Galetti Junior, professor do Departamento de Genética e Evolução (DGE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coautor do texto, lembrou que o desaparecimento da onça-pintada pode ainda causar aumento desmedido nas populações de predadores intermediários, como jaguatiricas e outros carnívoros.

Por sua vez, isso poderá levar a um aumento na predação de ninhos e, potencialmente, à extinção local de muitas aves, importantes dispersoras de sementes, e alterar a estrutura da vegetação. “O predador de topo de cadeia tem um papel de regulação do ecossistema e, quando ele desaparece, um distúrbio é criado. Isso pode causar a extinção de algumas espécies, até que o ecossistema encontre um novo equilíbrio”, disse Galetti, que coordena pesquisa apoiada pela FAPESP e realizada no âmbito do Sisbiota – programa lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2010 que reúne pesquisadores de diversos Estados e, em São Paulo, conta com financiamento da FAPESP.

Plano estratégico para conservação
A iniciativa de enviar o alerta para a revista Science, contaram os cientistas, surgiu após uma reunião promovida em setembro de 2013 pelo Cenap com o objetivo de elaborar um plano estratégico para a conservação da onça-pintada na Mata Atlântica.

“Na semana anterior ao evento, havia sido publicado também na Science um artigo sobre a recuperação da população de carnívoros no Hemisfério Norte graças a medidas adotadas há mais de 20 anos, como reflorestamento, reintrodução e translocação de indivíduos. Alguns fatores de manejo utilizados por lá permitiram que algumas espécies praticamente extintas voltassem a ocupar certos espaços. Nossa carta tinha o intuito de fazer um contraponto a esse artigo”, contou Morato.

O evento promovido pelo Cenap reuniu diversos membros da rede Sisbiota. O objetivo do grupo é fomentar e ampliar o conhecimento não apenas sobre predadores, mas sobre toda a biodiversidade brasileira, bem como melhorar a capacidade preditiva de respostas às mudanças de uso e cobertura da terra e às mudanças climáticas.

De acordo com os especialistas, a medida mais urgente a ser tomada para salvar a onça-pintada seria o aumento da fiscalização para evitar a perda de indivíduos tanto pela caça quanto pela redução do ambiente causada pelo desmatamento ilegal.

“Primeiro precisamos estancar a perda para então pensar em trabalhar para recuperar as populações. Estamos discutindo a possibilidade de fazer a translocação de indivíduos (colocar novos animais em uma população existente para trazer informação genética nova para o grupo), pois as análises têm mostrados que geneticamente muitas dessas populações remanescentes estão comprometidas. Mesmo se a perda de animais cessar, será necessário recompor essas populações”, afirmou Morato.

Outra possibilidade, contou o pesquisador do Cenap, é recorrer a ferramentas de reprodução assistida. “Podemos coletar sêmen de um indivíduo de uma região e inseminar uma fêmea de outra população, por exemplo. Esse mecanismo pode ser mais prático do que fazer a translocação”, contou Morato.

De acordo com o plano em elaboração pelo Sisbiota, nenhum animal seria solto sem um sistema de monitoramento 24 horas e sem um programa prévio de educação e conscientização com as comunidades do entorno. “É necessário um trabalho forte para que essas comunidades aceitem o retorno do animal. É preciso orientação para que não haja risco no contato com a população humana e para que haja um manejo de rebanhos de modo a evitar a caça por perda econômica”, afirmou Morato.

Para Galetti, antes que qualquer medida seja tomada, é preciso ampliar o conhecimento científico sobre a onça-pintada – o que inclui informações sobre a biologia, a ecologia, a genética e os sistemas em que ela está incluída, ou seja, os demais organismos que interagem com ela. “Não se pode pensar em translocar animais enquanto não se tem segurança e controle sobre os impactos da medida”, ponderou.

Muitos dos estudos que embasam a discussão do plano de recuperação da onça-pintada foram conduzidos no âmbito do Sisbiota, que completa três anos. Parte dos dados foi apresentada nos dias 9 e 10 de dezembro, em São Carlos, durante o 1º Simpósio Brasileiro sobre o Papel Funcional de Predadores de Topo de Cadeia.

O artigo Atlantic Rainforest's Jaguars in Decline (DOI: 10.1126 / science.342.6161.930-a), de Ronaldo Morato, Pedro Galetti e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org/content/342/6161/930.1.full?sid=b8928fb9-3760-4f2e-9188-23bc28d2dc2f.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Justiça tem pressa para iniciar desocupação de terra indígena



Fonte: Paulo Victor Chagas - Agência Brasil 07.01.2014 - 22h03 | Atualizado em 07.01.2014 - 23h56
Brasília – O juiz federal José Carlos do Vale Madeira, responsável pela sentença de desintrusão da Terra Indígena Awá-Guajá, no Maranhão, disse hoje (7) que tem pressa que os oficiais de Justiça comecem a notificar os não índios para que desocupem a área. O juiz coordenou uma reunião entre eles e órgãos do governo que participam do processo. Depois de receberem o documento, os posseiros e agricultores têm 40 dias para retirar seus bens e desocupar a região.

“O cumprimento [das notificações] vai depender de questões operacionais e de logística, como o tempo na região para que os helicópteros levantem voo. Estamos estimando que nos próximos dias [comece], mas temos pressa”, disse, em entrevista à Agência Brasil. Segundo o juiz, todos os mandados de notificação já foram entregues aos oficiais de Justiça.

José Carlos do Vale Madeira também foi responsável pela ação de conhecimento do território no início do processo, em 2002, e acredita que a maioria dos ocupantes poderá receber o auxílio da União. “Estive no local e constatei que a presença de lavradores e posseiros era majoritária, espaçadamente havia fazendeiros e madeireiros”, disse.

A Justiça trabalha com a estimativa de que haja entre 300 e 500 ocupações e imóveis no território, que tem área total de 116 mil hectares. Em sua decisão, o juiz Madeira determinou o apoio da União aos agricultores e pequenos criadores atingidos pela desintrusão. O governo deve, por exemplo, articular com as prefeituras dos municípios de destino dos lavradores para que eles forneçam produtos para a merenda de estudantes em escolas públicas.

Durante a reunião de hoje, o superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Maranhão, José Inácio Rodrigues, informou a Madeira que Bom Jardim e Igarapé do Meio, no mesmo estado, foram os primeiros municípios diagnosticados como possíveis destinos dos lavradores que serão desocupados da terra indígena. “Ponderei que essas terras devem ficar próximas à região. Deslocar [os não índios] para locais muito distantes pode causar graves transtornos emocionais, uma espécie de êxodo. Não gostaria que esse fenômeno ocorresse”, declarou o juiz.

A Terra Indígena Awá-Guajá compreende os municípios de Centro Novo do Maranhão, Governador Newton Bello, Zé Doca e São João do Caru, onde na última sexta-feira (3) foi montada uma base de operações do Exército para o cumprimento da ação de desintrusão. Após o recebimento das notificações, a expectativa é que as famílias se inscrevam no Cadastro Único (CadÚnico) para que possam participar de programas sociais do governo federal.

“Minha maior preocupação é que os lavradores, que preencham requisitos [para o cadastro], não sejam colocados às margens da BR [rodovia], não sejam marginalizados”, disse. O trabalho do Incra no local vai contar diretamente com 15 pessoas para o cadastramento das famílias, o estudo de lotes vagos passíveis de serem assentados para os lavradores com direito à terra da reforma agrária, e o processo de compra de áreas por meio de um edital, já aberto pelo órgão.

Além do Incra, da Fundação Nacional do Índio e dos oficiais de Justiça, estiveram presentes na reunião representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República e do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, além da Força de Segurança Nacional, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, que farão a segurança dos oficiais e das rodovias que dão acesso à área. Ainda segundo o juiz, uma estrutura primária de delegacia está sendo montada na região para evitar crimes como o contrabando de madeiras do local.

Edição: Aécio Amado
Direitos autorais: Creative Commons - CC BY 3.0

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Forças nacionais iniciam operação para desocupar área dos Awá no MA

Território indígena está ocupado ilegalmente por agricultores e empresas.

Operação pede a saída voluntária dos não índios em até 40 dias.

Eduardo CarvalhoDo G1, em São Paulo
Indígena segura faixa em que está escrito 'nós existimos!' no idioma dos Awa-Guajá. O grupo, considerado um dos mais ameaçados do munso, está localizado em uma região do Maranhão muito pressionada pelo desmatamento (Foto: Eliza Capai/Greenpeace)Em foto de arquivo, indígena da etnia Awá segura faixa em que está escrito 'nós existimos!' no idioma dos Awa-Guajá. Operação realizada pelo governo quer expulsar moradores ilegais da terra indígena, localizada no Maranhão (Foto: Eliza Capai/Greenpeace)
Forças nacionais de segurança iniciaram operação nesta segunda-feira (6) para notificar moradores não índios que vivem no Território indígena Awá-Guajá, no Maranhão, e pedir sua saída voluntária da área protegida em até 40 dias, em cumprimento à decisão judicial expedida em dezembro.

O objetivo da Justiça é conter o desmatamento na região, que segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já afetou 34% do território indígena, com perímetro de 1.700 km² (área pouco maior que o território da cidade de São Paulo), e ameaça a proteção da etnia, considerada por organizações ambientais como uma das mais ameaçadas.
A sentença do juiz federal José Carlos do Vale Madeira, do último dia 16, ordena que empresas madeireiras ou agrícolas que atuem na área finalizem suas atividades e autoriza mandados de busca e apreensão a materiais usados na extração, beneficiamento ou transporte de madeira.
Além disso, moradores que não saírem de forma voluntária estarão sujeitos a mandados de remoção, que permitem a destruição de construções, cercas, estradas ou quaisquer benfeitorias no interior da terra indígena. Segundo levantamento feito pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), há cerca de 300 construções ilegais dentro do território dos Awá.
Mapa em verde mostra área do Território indígena Awá-Guajá, que será desocupado após decisão da Justiça Federal (Foto: Reprodução/Funai)Àrea na cor verde mostra Território indígena Awá-Guajá, na fronteira entre o Maranhão e Pará, que será desocupada após decisão da Justiça Federal (Foto: Reprodução/Funai)
Operação dura 90 dias
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), a ação coordenada pelo gabinete da Presidência da República assegura a posse definitiva aos Awá-Guajá e tenta evitar o contato desta população com o homem branco, já que muitos deles ainda estão isolados.
Cerca de 200 homens do Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, além de agentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra, e do Ministério do Meio Ambiente atuam na notificação.
A autuação das famílias e empresas deve seguir por 15 dias pelo território indígena, localizado próximo à fronteira do Maranhão com o Pará e que abrange os municípios de Centro Novo do Maranhão, Governador Newton Bello, São João do Caru e Zé Doca. O território indígena representa pouco mais que 0,5% da área do estado do Maranhão.
Segundo Sarah Shenker, pesquisadora e porta-voz da organização não-governamental Survival International, que há trabalha há mais de quatro décadas com campanhas que pedem a proteção desta etnia, a operação é “o grande momento para o qual os Awá têm lutado há tempos”.
“Somente com o despejo dos invasores e a proteção permanente da terra é que os Awá podem sobreviver na sua floresta. É uma questão de vida ou morte para a tribo mais ameaçada do mundo e é o dever do governo brasileiro de salvá-los da extinção”, disse ela ao G1. Saiba mais sobre a campanha aqui.
Moradores ilegais serão assistidos pelo governo
Todos os não índios que moram ilegalmente na área, de acordo com o governo e, por isso, não têm direito à indenização. Contudo, de acordo com a Funai, órgãos federais vão reassentar pequenos agricultores que ocupavam a terra e se encaixam nos critérios do Plano Nacional de Reforma Agrária.
De acordo com a Funai, em junho o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e o Exército realizaram operação para fiscalizar unidades de conservação que ficam em torno da área indígena dos Awá-Guajá e constatou focos de desmatamento.
Na época, foram fechadas 27 serrarias e aplicadas multas equivalentes a R$ 2,5 milhões.
Imagem de arquivo feita pela ONG Survival International mostra atividade de exploração madeireira dentro do território indígena dos Awá (Foto: Greenpeace/ Bruno Kelly/ Survival)Imagem de arquivo feita pela ONG Survival International mostra atividade de exploração madeireira dentro do território indígena dos Awá (Foto: Greenpeace/ Bruno Kelly/ Survival)