Um mundo degradado pelo padrão de desenvolvimento e consumo
As evidências são irrefutáveis e até mesmo os mais entusiastas
triunfalistas neoliberais são obrigados a reconhecer que a lógica do
sistema, de expansão e crescimento ao infinito, e seu atual modelo de
desenvolvimento, baseado na exploração e no consumismo, conduzem a
humanidade e as demais espécies vivas a uma catástrofe ambiental sem
precedentes. Rapidamente concluímos que “a culpa é do ser humano”. Mas
isso não explica tudo!
Segundo Michael Löwy: “Isso porque a humanidade já vive no planeta há algumas dezenas de milhares de anos, desde que apareceu o
Homo sapiens,
e o problema do aquecimento global, essa acumulação de gases na
atmosfera, vem da Revolução Industrial. Começou em meados do século
XVIII, quando esses gases foram se acumulando, e se intensificou
enormemente nas últimas décadas, as décadas da globalização capitalista
neoliberal. Portanto, o culpado dessa história não é o ser humano em
geral, mas um modelo específico de desenvolvimento econômico,
industrial, moderno, capitalista, globalizado, neoliberal: esse é o
responsável pela atual crise ecológica e pela ameaça que pesa sobre a
humanidade.” [1]
A superação, portanto, do atual modelo de desenvolvimento coloca-se
como o grande desafio da humanidade. Aqueles que se organizam em
movimentos sociais e ambientais encontram problemas cada vez maiores, de
resoluções cada vez mais complexas, justamente porque não podem ser
completamente resolvidos sem que se altere o conjunto do sistema de
relações sociais, econômicas e políticas. Nos alerta Manuel Castells :
“Nossas sociedades se tornarão cada vez mais ingovernáveis e, em
consequência, poderá ocorrer todo tipo de fenômeno – alguns muito
perigosos.” [2]
Um programa de transição para o Brasil
No Brasil, por suas características culturais, históricas e pelo
quadro de correlação de forças, “não consideramos ser possível realizar o
processo de acumulações necessárias sem a articulação de uma fórmula
presidencial de governo nacional. Ela deve ser o ponto de irradiação das
grandes linhas programáticas que se articulem num Projeto Democrático,
Popular e Sustentável. Uma nova forma de governo, que transfira os
instrumentos de poder que hoje estão concentrados nas mãos do grande
capital para o controle e exercício direto da grande maioria da
população.” como bem caracterizou o jovem vereador eleito no Rio de
Janeiro, Jefferson Moura. [3]
Nossa jovem democracia ainda se recupera do Golpe de Estado,
executado em 1964 por militares e com financiamento e colaboração direta
da elite civil insatisfeita com o crescimento das forças populares e
dos rumos progressistas do governo de João Goulart, intensificados após o
“Plebiscito sobre a forma e o sistema de governo do Brasil”, realizado
em 1963. Desde a campanha das “Diretas Já”, o povo brasileiro participou
de 6 eleições presidenciais, tendo eleito apenas 4 presidentes
diferentes: Collor, FHC, Lula e Dilma. O Partido dos Trabalhadores foi o
que melhor canalizou as aspirações populares durante a
redemocratização, chegando ao poder em 2002, quando imediatamente deixou
claro que seu compromisso maior não seria o de superar o atual sistema,
sequer de mudar o padrão de desenvolvimento: a eleição de Sarney para a
Presidência do Congresso; a indicação do tucano Henrique Meirelles para
o Banco Central; a Reforma da Previdência; a consolidação de uma base
aliada com nomes como Maluf e Collor; a opção pelos banqueiros e
ruralistas foram mais do que emblemas do que estaria por vir, foram
medidas concretas no sentido da manutenção do
status quo, desde o início do primeiro mandato de Lula.
Consolidar uma candidatura alternativa à dicotomia PT/PSDB
Da insatisfação com o PT e sua manutenção do padrão de
desenvolvimento iniciado pelo PSDB, que agrava a crise ambiental e não
resolve os principais problemas sociais, nasceram as candidaturas de
Heloísa Helena (2006) e Marina Silva (2010). Apesar de articuladas e
apresentadas por partidos de matrizes distintas (PSOL e PV), as duas
candidaturas ocuparam o mesmo espaço no imaginário popular e fizeram
parte da mesma corrente histórica: ambas representaram e apresentaram
alternativas socioeconômicas e políticas para o desenvolvimento de uma
sociedade ambientalmente sustentável, economicamente viável e
socialmente justa. A resposta a esse chamado foi uma contundente e
crescente enxurrada de votos: 7 milhões em 2006 e 20 milhões em 2010! Um
enorme potencial político foi acumulado.
A semelhança cada vez maior entre os projetos do PSDB e PT, inclusive no
modus operandi
baseado na corrupção e no “toma-lá-dá-cá”, desgastou esses dois pólos
políticos nacionais, que hoje disputam o mesmo nicho político. Os
principais dirigentes do PT estão feridos de morte pelo mensalão,
deixando o futuro do partido à mercê de apostas em novas lideranças sem
vínculos históricos com as lutas sociais , que provavelmente agravarão
as contradições do governo petista diante das expectativas criadas nas
massas populares. José Serra e os principais dirigentes tucanos de São
Paulo aparentemente foram sepultados pelas urnas paulistanas e estes
ainda tem no horizonte a possibilidade de verem outras lideranças
nacionais depenadas pelas investigações do mensalão mineiro, entre
outras acusações que remetem aos tempos de FHC.
Isso deixa o horizonte ainda mais livre para a consolidação desta
alternativa, deste espaço ocupado inicialmente por Heloísa Helena e
ampliado por Marina Silva. Não apresentar em 2014 uma candidatura
presidencial à altura deste desafio é deixar livre o caminho para que
figuras nefastas o ocupem, como Kassab (PSD) e Eduardo Campos (PSB).
É primordial que tenha início imediato uma articulação nacional, que
se desdobre em encontros regionais e que lance as bases programáticas
para a constituição de uma
Frente Demócratica, Popular e Sustentável
e, portanto, para a apresentação de uma candidatura presidencial.
Paralelamente devemos iniciar imediatamente o processo de construção e
legalização de um partido que possa encabeçar esse pólo, visto que o
prazo para que essa alternativa tenha cara própria em 2014 está se
esgotando: outubro de 2013.
Marina Silva e Heloísa Helena seguem sendo as pessoas mais indicadas
para representar este projeto em forma de candidatura. No entanto, hoje,
nenhuma das duas está em condições objetivas de fazê-lo. Marina não
está filiada a nenhum partido e, após a experiência frustrada no PV, não
parece interessada em se aventurar em nenhuma legenda existente, nem
sequer no recém fundado PEN, que carrega a ecologia no nome mas já
engatinha pelo mesmo caminho oportunista do PSD de Kassab, recrutando
parlamentares a esmo, podendo inclusive atrair figuras públicas que
poderiam estar conosco. O nome de Heloísa está obstruído no PSOL por um
setor daquele partido que parece ter interesses outros que não a
consolidação de uma alternativa que lhes escape ao controle, como
deixaram claro ao negar apoio a Marina Silva para, em seguida, lançar o
“radical” Plínio de Arruda Sampaio, que no segundo turno das eleições
municipais paulistanas acabou declamando nas redes sociais e em jornais
de grande circulação toda sua simpatia e torcida por José Serra, a quem
classificou de “competente”. [4]
Um partido transitório para a transformação
Os prazos exíguos não podem funcionar como justificativa para que
deixemos de lado o balanço histórico e o debate sobre o papel dos
partidos hoje, muito pelo contrário, devemos ter como bandeira
fundamental uma profunda Reforma Política. Neste tema, devemos
considerar também a falência do modelo de partido tradicionalmente
defendido pelos socialistas, aquele “Partido com P maiúsculo” que se
autoproclama o “Estado-Maior da Revolução”, que se entende como a
própria substituição do povo por uma pequena vanguarda, que logo muda de
nome e função, carcomida pela inevitável burocratização.
O fortalecimento do movimento transpartidário – a Frente que queremos
construir – pode caminhar simultaneamente à viabilização de um “braço
institucional”, um partido político de novo tipo, transitório, com
direção e funcionamento enxutos para que suas instâncias não substituam o
movimento ao seu redor, sendo na realidade controlado pelo movimento,
da borda para o centro.
A maior parte de nossas energias e o melhor de nossas inspirações e
aspirações deve ser empreendido nos movimentos sociais, ambientais,
culturais, solidários e libertários. São eles a expressão viva da
sociedade, onde se dá a ação direta e onde aprendemos na prática a
conviver com as diferenças, que são tão grandes como é a diversidade do
povo brasileiro, que é tão grande como são os desafios que temos pela
frente.
Este manifesto foi construído por várias mãos, não tem um
autor definido e é coletivo, pertencendo a todas e todos que com ele
concordem.
[1]
http://www.outraspalavras.net/2012/10/30/razoes-e-estrategias-do-ecossocialismo
[2]
http://www.outraspalavras.net/2012/11/28/castells-ve-expansao-do-nao-capitalismo
[3]
http://www.jeffersonmoura.com.br/index.php/component/content/article/1-artigos/77-eleicoes-2012-e-os-desafios-do-psol.html
[4]
http://folha.com/no1170984
