quinta-feira, 15 de julho de 2010

Ciência teme pelo futuro da floresta (Greenpeace)

As duas associações que representam a comunidade científica brasileira falam como proposta de mudança do Código Florestal é nociva para o país.
'Mar' de árvores derrubadas no Pará em 2001, imagem que maioria dos brasileiros gostaria de deixar no passado ©Greenpeace/Daniel Beltra
Os ruralistas adoram falar que têm a ciência do seu lado ao propor mudanças no Código Florestal – a saber, redução de áreas de preservação permanente (APPs), como mata nas margens de rios e topos de morro, e da reserva legal, quando não pregam seu fim. A verdade, contudo, está bem distante.
Os dois principais grupos representativos da classe científica no Brasil – a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) – divulgaram uma carta conjunta repudiando o relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdo-B-SP), aprovado na semana passada pela comissão que tratou do tema na Câmara apesar da oposição de diversos setores da sociedade civil, inclusive as ONGs.
O presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, e da ABC, Jacob Palis, afirmam que a comunidade científica não foi de fato consultada no processo, ao contrário do que Aldo afirma, e que a proposta “foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos”.
“Se os ruralistas de fato tivessem a preocupação em montar uma proposta séria de reforma do Código Florestal, deixariam de lado seus cientistas de aluguel e passariam a ouvir quem faz e entende mesmo de ciência no Brasil, representados por esses dois grupos, SBPC e ABC”, afirma Paulo Adario, diretor da campanha da Amazônia do Greenpeace.
Leia a seguir a íntegra da carta conjunta, também disponível no site da SBPC.
"Senhor Deputado,
O Brasil foi o primeiro país do mundo a buscar uma agricultura tropical altamente produtiva, fruto principalmente de investimentos contínuos em ciência e tecnologia. Com o aumento da produtividade das principais culturas agrícolas, a agricultura brasileira ganhou destaque mundial e passou a contribuir, decisivamente, para o desenvolvimento econômico e social do país, produzindo alimentos, fibras e bioenergia para o consumo interno e para exportação.
O Brasil já é uma potência agrícola, mas deve ser observado que o paradigma predominante em outras potências agrícolas do mundo desenvolvido é o do aumento da produtividade e não da expansão das fronteiras agrícolas. A competitividade se dá no terreno de maior inserção de ciência e tecnologia na produção e maior agregação de valor nas cadeias produtivas agrícolas e pecuárias.
Paralelamente, o Brasil ainda preserva grandes áreas intactas que abrigam uma extensa gama de formas de vida, caracterizando o país como detentor de uma megabiodiversidade. Portanto, o país tem a chance única na história de conciliar uma agricultura altamente desenvolvida com vastos ecossistemas naturais preservados e ou conservados que produzem uma gama de serviços ambientais dos quais a própria agricultura depende, dentre eles se destacam a manutenção da fertilidade dos solos e suas propriedades físicas e a produção e sustentabilidade dos regimes hídricos dos ecossistemas.
Editado em 1965, e substancialmente reformulado em 1989, o Código Florestal, constitui-se até hoje na peça fundamental de uma legislação ambiental reconhecida com uma das mais modernas do mundo. Ainda passível de aperfeiçoamentos como qualquer legislação, o Código Florestal é um arcabouço legal fundamental na manutenção de paisagens multi-funcionais que permitam seu aproveitamento tanto para a produção de alimentos, fibras e bioenergia; como também para preservação e manutenção dos ecossistemas, com amplos benefícios para toda a população.
Baseando-se na premissa errônea de que não há mais área disponível para expansão da agricultura brasileira, o Congresso brasileiro propôs, recentemente, uma reformulação do antigo Código Florestal.
Infelizmente, a reformulação desse Código não foi feita sobre a égide de uma sólida base científica, pelo contrário, a maioria da comunidade científica não foi sequer consultada e a reformulação foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos.
Em decorrência, a comunidade científica brasileira se encontra extremamente preocupada frente às mudanças propostas, pois esta comunidade antevê a possibilidade de um aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis como são as áreas alagadas, a zona ripária ao longo de rios e riachos, os topos de morros e as áreas com alta declividade.
As mudanças do Código Florestal igualmente poderão acelerar a ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras, estimular a impunidade devido a ampla anistia proposta àqueles que cometeram crimes ambientais até passado recente e a oportunidade de Estados brasileiros utilizarem a prerrogativa de legislar sobre temas ambientais para atrair futuros investimentos associados a mais degradação ambiental no meio rural. 
Esta substituição levará, invariavelmente, a um decréscimo acentuado da biodiversidade, a um aumento das emissões de carbono para a atmosfera, no aumento das perdas de solo por erosão com consequente assoreamento de corpos hídricos, que conjuntamente levarão a perdas irreparáveis em serviços ambientais das quais a própria agricultura depende sobremaneira, e também poderão contribuir para aumentar desastres naturais ligados a deslizamentos em encostas, inundações e enchentes nas cidades e áreas rurais.
Assim sendo, a comunidade científica reconhece claramente a importância da agricultura na economia brasileira e mundial, como também reconhece a importância de aperfeiçoar o Código Florestal visando atender a nova realidade rural brasileira.
Entretanto, entendemos que qualquer aperfeiçoamento deva ser conduzido à luz da ciência, com a definição de parâmetros que atendam a multi-funcionalidade das paisagens brasileiras, compatibilizando produção e conservação como sustentáculos de um novo modelo econômico que priorize a sustentabilidade.
Desta forma podemos chegar a decisões consensuais, entre produtores rurais, legisladores, e a sociedade civil organizada, pautadas por recomendações com base científica, referendadas pela academia e não a decisões pautadas por grupos de interesses setoriais, que comprometam de forma irreversível nossos ecossistemas naturais e os serviços ambientais que desempenham."

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