quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O Brasil que não está no GIBI

Passei o ano comprometido com meu projeto de expedição pelo rio São Francisco (veja meu blog: http://meuvelhochico.blogspot.com) e conheci o mais paradoxal exemplo de anacronismo político de um Brasil que pouca gente conhece e muitos pensam que morreu ou ficou no passado... pois existe, e ainda reflete as mais sórdidas realidades de nossa formação política, econômica e social: o país dos coronéis!

No oeste baiano, uma imensa população de deserdados é submetida, nos dias de hoje, às humilhações e à prepotência de um poder obscuro e, no entanto, real e cruel: grandes propriedades rurais, verdadeiros latifúndios, fazem valer sua vontade sobre pequenos agricultores, submetendo-os ao terror das armas, mantendo-os como testemunhos de uma história que gostaríamos de esquecer.

Visitei muitas dessas comunidades, onde a criação de cabras, porcos, galinhas e até algumas cabeças de gado é mantida solta, nas terras comunitárias, junto com os humanos... esses animais compartilham os mesmos espaços das crianças e dos adultos; as construções ainda são de taipa, e o besouro transmissor da doença de Chagas permanece ativo, fazendo novas vítimas... as oportunidades de trabalho são escassas e se resumem ao extrativismo (pescadores, carvoeiros, garimpeiros), às pequenas lavouras de lameiro, ao escambo e a um comércio regional incipiente e insignificante, que não permite que essas populações saiam da miséria econômica e, sobretudo, cultural. Para agravar ainda mais a situação, as famílias são imensas, com seis, oito, dez, doze filhos, pois a única distração das pessoas é procriar!

É como se voltássemos o relógio do tempo e mergulhássemos no mundo de nossos avós, onde o conforto era um luxo permitido a poucos, a segurança não existia e o futuro era incerto, às vezes até improvável... carros de tração animal, ruas sem calçamento, esgoto escorrendo pelas beiradas das casas, crianças mal nutridas perambulando suas enormes barrigas pela comunidade, lixo jogado a céu aberto, apodrecendo, e o grande paradoxo das antenas parabólicas, desfilando um mundo de fantasias que as pessoas só conhecem pela telinha...

Nenhuma cidade ribeirinha que eu visitei possui cinema; o circo mambembe passa por lá, levando espetáculos tão anacrônicos quanto os carros de boi rangendo pelas ruas, teatro é uma ilusão inacessível, e as igrejas evangélicas, pentecostais e católicas fazem a vida se resumir à esperança de que, ao menos depois da morte, haveria justiça e se tornam a única razão de continuar a viver. Para compensar tanta desgraça, somente a cachaça que corre solta por todo o lado, alimentando o crime, a solidão e o desespero inconsolável...

O coronelato domina o poder, mais forte do que aquele constituído e legal, de urnas eletrônicas e falta de consciência política, que elegem aqueles que mais entregam parcas e modestas benesses às vésperas das eleições. O sindicalismo é forte, mas apenas como outra faceta do mesmo grupo dominante, pois suas lideranças se contrapõem aos coronéias apenas para legalizar essa situação absurda e onírica! A eles também interessa preservar a miséria, sua principal matéria-prima de perpetuação nesse poder secundário dos protestos inúteis.

Crimes ocorrem aos montões: políticos, passionais, de vingança ou de "acerto de contas", de afirmação do machismo dominante, ou simplesmente devido ao excesso de álcool ou de drogas, que correm soltas por todas as partes. As histórias desses crimes "divertem" os mais velhos, que relembram as façanhas de seus antepassados, seja para conquista da terra, seja nas demonstrações de sua vontade e de poder.

Esse Brasil está lá, no nordeste, no oeste baiano, incentivado pela ausência das políticas nacionais, a quem interessa preservar esses currais eleitorais que jamais se extinguirão, mesmo com urnas eletrônicas e sistemas sofisticados de reconhecimento ergométrico de eleitores, pois não é o modo de votar que determina a validade e a representatividade popular, e sim a consciência política e a autonomia econômica e social.

Essas não existem na caatinga, e jamais existirão, enquanto a decisão dos investimentos privilegiar o agronegócio, que chega e se instala aos poucos, excluindo os pequenos e metamorfoseando as paisagens do sertão através das "plantations" contemporâneas que ocupam as novas fronteiras agrícolas nacionais de modo irreversível.

Dizem que o agronegócio levou modernidade e riqueza às terras antes ressequidas e agora férteis do sertão. É verdade. Basta olhar para Petrolina e constatar a pujança dessa nova cidade que emergiu do semi-árido nos últimos vinte anos: a estrutura urbana se transformou, edifícios se ergueram com as mesmas linhas das grandes cidades, estradas bem construídas surgiram por todo lado, universidades e centros de pesquisa foram construídos.

Mas não é preciso andar muito para constatar que existe um tênue manto de prosperidade no entorno dessa bela cidade; logo aparece de novo a miséria, a falta de água, a fome, a ausência de oportunidades, pois para os pobres quase nada mudou. O sertão continua lá; as águas do rio São Francisco não chegam às casas dos pobres que habitam as áreas rurais, que ainda dependem exclusivamente das parcas chuvas de "inverno" e da boa vontade dos políticos que manejam a distribuição de água pelos carros-pipa, moeda de troca dos favores...

O Brasil que não está no gibi também não está na consciência da população privilegiada do sul e sudeste-maravilha, do centro-oeste do agronegócio, do centro de poder brasiliense, repleto de escândalos e pobre de criatividade para a solução dos gravíssimos e crônicos problemas de distribuição de renda nacionais...

Até quando? Provavelmente, até que essa panela de pressão exploda, o que é improvável, mesmo com tamanha miséria, pois as igrejas fazem com competência o seu papel apaziguador de consciências, solapando qualquer iniciativa de rebeldia desses novos escravos de consciência da era contemporânea!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Eleições ou Representatividade?

Não lhes parece um antagonismo? Pois avaliem nosso processo eleitoral: votam analfabetos, intelectuais, adolescentes, idosos e todos os segmentos de nossa sociedade... nada mais democrático, não é mesmo? E o resultado disso é... um bando de oportunistas que querem se aproveitar do poder em interesse próprio! Alguém discorda? Não?! Mas qual seria a alternativa? O sufrágio universal (vulgo "voto direto") seria, de fato, democrático e saudável como método de seleção dos representantes populares?

Alguém colocaria  um processo de eleição pelo voto popular para escolher o corpo gerencial de sua empresa? Os diretores?? o Presidente??? Pois é assim que escolhemos os nossos governantes! Não requer prática nem habilidade; muito menos competência e honestidade! Esse é o único caminho para o poder!

Discute-se voto distrital e outros mecanismos de aperfeiçoamento do processo eleitoral. No entanto, o que está errado é o processo em si mesmo! A escolha democrática não só permite que todas as camadas sociais se manifestem na escolha, mas também que praticamente qualquer candidato se apresente! Sim, pois as restrições são mínimas! Nem mesmo uma análise de antecedentes do candidato é exigida!

A escolha de nossos mandatários deveria ser feita com mais seriedade... afinal, é uma "empresa" com um orçamento anual de mais de um trilhão de reais! Que outra empresa nacional ou internacional possui tamanho orçamento? No entanto, os "diretores" (diga-se "ministros") dessa empresa gigante chamada "Brasil" às vezes nem conhecem seu ramo de atividade! Tome-se como exemplo o Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão. Sem preconceitos, que qualificações tem esse político para gerir nossos recursos minerais e nossas fontes de produção de energia? A escolha de um Ministro de Estado deveria privilegiar, não os partidos políticos, mas os objetivos e a missão dessa "empresa".

Da mesma forma, nossos legisladores, aqueles que definem as regras de funcionamento de todo o arcabouço político-administrativo do país, são apenas "políticos"! Alguns até se especializam com o tempo e até conhecem os meandros dos processos administrativos públicos; no entanto, a maioria apenas "faz política", ou melhor, politicagem! Buscam acomodar as diferentes facções dos partidos no poder e fora dele.

Poir ainda, a oposição se sente "na obrigação" de se opor a tudo, até mesmo quando há consenso em relação àquilo que se está discutindo. Com isso, os debates duram anos e chegam a conclusões esdrúxulas! Quando FHC chegou ao poder, pretendia reformar a Constituição: legislação previdenciária, trabalhista, fiscal, política... já se passaram 15 anos! O que se fez? Continuamos com os mesmos problemas, o mesmo "custo Brasil" que tanto onera nossas empresas...

Quando o PSDB passou à oposição, esqueceu-se do que estava propondo e começou a fazer uma oposição radical contra as próprias teses que defendia! Onde está a lógica desse processo?A intenção é paralisar o governo! Mesmo que para isso toda a nação seja penalizada! E aí discute-se as decisões da Petrobrás, o sigilo das investigações da Polícia Federal, a indiscrição da Dilma Roussef, as "gaffes" do Presidente...

E entre poderes também existem querelas inúteis: a PF prende para o STF soltar, ainda que sejam óbvias as relações de improbidade, comprometimento e corrupção dos indiciados! E esses senhores intocáveis continuam desfilando pela sociedade, como se a prisão e a soltura fossem títulos de distinção conquistados!

Eleição ou representatividade?

Quando eu era criança, há 50 anos, os vereadores não tinham remuneração e dedicavam parte de suas noites para discutir, deliberar e decidir as prioridades do município; e faziam isso com orgulho, porque era uma honra ser representante da comunidade! Como se escolhe o representante de uma comunidade? Por aclamação de seus membros, porque somente os líderes conseguem o apoio de seus liderados!

Se tivéssemos conselhos de anciãos, de trabalhadores, de sábios, de cientistas, de educadores, de bairros... se esses conselhos elegessem seus líderes e estes, por sua vez, escolhessem os governantes em todos os níveis de poder, teríamos pessoas comprometidas com os destinos de nosso país! Isso é representatividade!

Funciona? Sim, funciona bem melhor do que os processos burocráticos que nos mantêm reféns desses políticos corruptos que nos humilham com sua indecência e mau-caratismo! Quantos, dentre os mais de 500 deputados federais podem ser considerados honestos? Quantos desses poucos honestos podem ser considerados competentes? Quantos representam de fato as comunidades que os elegeram?

Está aberto o debate por um novo sistema de governo! Candidatem-se!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Ideologia e partidos políticos

Vivemos um antagonismo e uma contradição: enquanto a ciência e a tecnologia ultrapassam todas as fronteiras concebíveis e se equiparam à ficção, nossa organização social permanece arcaica e anacrônica. Os partidos políticos perderam a ideologia junto com o desaparecimento das doutrinas marxistas.

E isso não é exclusividade do terceiro mundo! As nações ditas "desenvolvidas" passam pelos mesmos dilemas. Alguns países possuem apenas dois partidos políticos, que se autodenominam "conservadores" e "progressistas", como se houvessem apenas o branco e o preto em nossa natureza ideológica! As matizes não teriam nenhuma importância!

Outros países, como o nosso, mergulharam em um mar de partidos sem qualquer identidade intelectual, senão os próprios nomes, com suas cargas históricas desvirtuadas. Vejam, por exemplo, o trabalhismo: PT, PDT, PTB e outros tantos sem expressão política relevante. O que, de fato, eles representam? O Getulismo morto e enterrado? As centrais sindicais, corruptas e pelegas? O paternalismo estatal de nossas lideranças?

Ou então a velha denominação "esquerda" versus "direita"! Quem é de esquerda? PSDB? PSOL? PT? PDT? PPS? PC do B? Apenas siglas, mas sem conteúdo ou orientação ideológica! A discussão das idéias políticas não existe dentro dos partidos políticos!

Então, o que os diferencia, senão seu maior ou menor fisiologismo ou "grau de adesão" ao partido no poder? Alguns até assumiram como estratégia "crescer para aderir ao poder", sem disputar eleições para cargos executivos, como é o caso do PMDB e do DEM (ex-arena, ex-PDS, ex-PFL, ex-qualquer-coisa). É mais confortável e seguro oferecer seu apoio condicionado a concessões por cargos de primeiro escalão, ou por presidência de empresas estatais!

Na verdade, não há saída para os partidos políticos, senão a extinção! É preciso rever o modelo de representatividade, o papel dos partidos políticos, a questão ideológica, a responsabilidade ética como pré-requisito à representação popular, a questão da fidelidade partidária, que deveria ser ideológica...

De que adiantam tantos partidos políticos se o povo não se encaixa em nenhum deles? Como ingressar na política sem macular o próprio nome na corrupção, nas mordomias, no nepotismo descarado, nos conchavos da disputa por cargos, na ausência de uma ética política? Como participar da vida política de uma nação quando seus governantes perderam a vergonha na cara e posam para as fotos com a cara de pau de quem nada deve?

O Senado, a Câmara Federal, as Assembléias Estaduais, as Câmaras Municipais, todos os palanques populares estão completamente contaminados pela corrupção e pelo abuso dos mecanismos de poder! E como resgatar a dignidade dessas casas representativas se nossos representantes, escolhidos por nós, corrompem, roubam e trapaceiam sem nenhum pudor ou decência?

Talvez, nessa sociedade movida a tecnologia não haja lugar para a ideologia...  e esse reality show em que se transformaram nossas vidas, seja pelos meios de comunicação, seja pelos sites de relacionamento cada vez mais presentes e determinantes em nossas sociedades, talvez esse terceiro poder seja a nova célula  desse mundo anárquico e cada vez mais desigual!

Enquanto isso, à nossa revelia, os mecanismos do poder institucionalizado articulam as ações, sem o respaldo do povo para o qual ele foi constituído, e devassando cenários de extrema indecência política, seja dos mensalões, seja das obras faraônicas, seja das igrejas universais! E, pasmem, tudo é feito às claras, noticiado em cadeia nacional, explorado por entrevistas onde os responsáveis pelas falcatruas nem se defendem mais, convictos de sua impunidade, e até mesmo admirados pela esperteza de dar um golpe sem consequências para si, senão fama e poder!

Fortunas surgem do nada, de um conceito virtual, "vaporware" como diz a tecnologia, neologismo que revela a fragilidade desse admirável mundo novo! Com isso, jogamos nossa História no lixo da própria História, pois o que vale é o "aqui e o agora", não das doutrinas budistas, mas do imediatismo ágil e esperto!

E se a ideologia morreu e se tornou anacrônica, assim como os princípios éticos e morais, se os partidos políticos representam apenas os "clubes" de poder que dividem a carniça apodrecida da "res publica", se a "governança" se confunde com a "comilança" e com a partilha dos bens e da riqueza nacional, só nos resta fazer parte dessa festa, ou escrever um blog como o meu!...